A Google que não nos quer esquecer

A batalha contra o direito ao esquecimento é mais do que a defesa das liberdades individuais: é um travão ao esboço do controlo totalitário dos gigantes do big data.

David contra Golias, os direitos básicos de um cidadão contra a vastidão abstracta da Internet, um pequeno Estado como Portugal contra um colosso da globalização como a Google. O diferendo judicial entre a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) e a maior empresa mundial da Internet em torno do “direito ao esquecimento” invocado por 37 portugueses pode parecer um daqueles problemas exóticos distantes das prioridades do dia-a-dia. Não é verdade. Nesse diferendo, opõem-se valores básicos que estão na raiz de uma forma de viver que rejeita qualquer controlo totalitário, seja do Estado, seja de um conglomerado económico; e estão em oposição as leis de um Estado soberano e as interpretações abstractas das multinacionais.

O Tribunal de Justiça da União Europeia tinha já decidido em 2014 que os cidadãos têm o direito de ver os seus nomes e fatias das suas vidas apagados nos motores de busca. Várias decisões judiciais em vários países da Europa haviam já reforçado a necessidade de ser respeitado esse direito básico — mesmo que seja impossível retirar todos os registos na Internet, o apagamento de um nome nos motores de busca é um passo enorme no caminho do “esquecimento”. Empresas como a Google reagiram e dão resposta a uma parte dos pedidos de esquecimento. Mas as suas decisões são, obviamente, restritivas. A disponibilidade de registos individuais faz parte do sucesso do seu modelo de negócio.

A CNPD deve levar até às últimas consequências os pedidos dos cidadãos em protesto contra a Google. Se não forem figuras públicas, se a permanência dos seus nomes na rede não for de óbvio interesse público, têm o direito de não querer figurar nas telas dos computadores ou dos telemóveis de qualquer outra pessoa. De resto, esse direito de dizer "não" é a arma que resta para obstar à transformação da nossa individualidade em matéria-prima do big data para o comércio online ou para a propaganda política desenvolvida por empresas que se apropriaram dos registos e dados de milhões de pessoas. A longo prazo, a exigência do direito ao esquecimento pode ser uma batalha quixotesca; mas dá-la como perdida nesta primeira infância da Internet é acreditar que o big brother orwelliano nos entrará vida adentro sem que haja direito a enfrentá-lo. 

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