A escola de Durão Barroso

Na minha juventude, o Liceu Normal de Pedro Nunes era considerado uma escola de excelência. Era “Normal” porque tinha professores “metodólogos”, que se dedicavam ao ensino de outros docentes. Os meus mestres eram autores de muitos livros de estudo, publicavam artigos de referência ou traduziam textos de autores de culto. Tínhamos para com eles uma relação de respeito, mas onde não faltavam a confidência ou a cumplicidade.

Recordo com saudade muitos dos meus professores de então. Sempre fui melhor aluno em Letras, mas como quis seguir Psiquiatria ou Psicologia, segui para Medicina. No 6.º e 7.º anos de então, tive dificuldades em Físico-Química e Matemática, mas lá segui, amparado pelos meus mestres e ajudado por alguns colegas.

Recordo o matemático J. Jorge G. Calado (era assim que assinava os seus livros), um dos mais destacados professores do Pedro Nunes. Dizia sempre que o bacalhau só se poderia comparar com outro prato de bacalhau, e do mesmo modo se deveria proceder com as batatas. Durão Barroso, dez anos mais novo, não deve ter tido o prof. Calado. Na sua pré-campanha para as presidenciais de 2016 — que espero que Marcelo Rebelo de Sousa não facilite — classificou “de excelência” o ensino no Estado Novo e elogiou o seu liceu de então, o Camões. 

O Liceu Camões rivalizava com o Pedro Nunes. Ambos tinham bons mestres, mas os alunos que os frequentavam pertenciam a uma elite. Como sabemos, a maioria da população ficava pela 4.ª classe e o analfabetismo impressionava: nos 40 anos do 25 de Abril, a escola passou de 25% de taxa de analfabetismo para os 5% de agora e a taxa de escolarização abrange quase a totalidade dos jovens de hoje.

Como diria o prof. Calado, a comparação não faz sentido. Comparar a escola elitista do Liceu Camões de então — onde um reitor autoritário impunha, sem hipótese de contestação, a sua ordem — com as escolas de hoje só revela saudosismo e desconhecimento sobre a evolução positiva do nosso sistema de ensino.

Numa oportuna entrevista ao Expresso de 18 de Abril, o dr. João Jaime, actual director do Camões, salientava as diferenças entre o passado e o presente, destacando a selecção de outrora e a massificação de hoje, o que torna a comparação insustentável. As suas declarações, no entanto, vão mais longe. Chama a atenção para certas características da escola que impedem mais progresso, ao dizer: “A escola é das entidades mais conservadoras que existem. Se olharmos para a sala de aula de hoje, verificamos que é a mesma há cem anos (…) a escola tem de evoluir noutro sentido, para uma aprendizagem mais globalizante. Isso não impede que haja exigência.”

Tem toda a razão. Todos os dias me impressiono, ainda hoje, com aulas dadas do mesmo modo que há 50 anos, agora para mais com professores a falar durante 90 minutos, sem que exista o respeito ou o medo que controlavam a disciplina nas salas de outrora. Por isso, também apoio o dr. João Jaime na sua afirmação de que “apenas se pode dizer que a escola era mais disciplinada”, sem que tal signifique que era melhor ou que os alunos aprendiam mais.
A escola do dr. Durão Barroso não voltará. Resta unirmos esforços para melhorar a escola de hoje, onde há muito a fazer, começando, como tenho afirmado, por um combate determinado à indisciplina. Combate democrático e não à maneira do Estado Novo.

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