O mercado da culpa

Até acredito que a culpa é independente do comportamento: para se ser culpado basta viver.

Um dia somei tudo o que faço para depois não me sentir culpado a tudo aquilo que faço para tentar suavizar as culpas que já sinto e o resultado foi todo o tempo que tenho.

A desculpabilização é mais difícil do que uma pessoa portar-se bem. Quem mais odeia sentir a culpa é, logo por sorte, a pessoa que mais facilmente se sente culpada.

A culpa é uma dor aguda e repetitiva, que volta sempre com uma forma diferente.  Só os psicopatas não a sentem: é universal. E, no entanto, a começar por nós próprios, ninguém se abstém de nos deitar culpas, vez após vez, como se nos tivéssemos esquecido delas.

Ninguém é masoquista ao ponto de gostar de se sentir culpado. Logo, não pode ser um prazer. Mas, mesmo assim, as culpas são distribuídas como se fossem lembranças em ponto de rebuçado: "ora toma lá mais uma... esta trouxe-te do Montenegro, podes ficar com ela".

A resposta óbvia - "achas que não me sinto suficientemente culpado, sem estares sempre a falar nisso?" - é, estranhamente, sempre mal recebida, como se o contrário fosse verdade.

E mesmo que fosse? Se, por um milagre, tivéssemos conseguido livrar-nos dum fardo antigo e amargoso que já não interessa a mais ninguém porque é que, tal como o pecado original de Adão e Eva, é necessário estar sempre a refrescar-nos a memória?

De qualquer modo, não vale a pena. Se nos livramos de uma culpa velha, nasce logo outra nova para a substituir. Até acredito que a culpa é independente do comportamento: para se ser culpado basta viver.  

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