O ano do rabo seco

A verdade é que vivemos em tempos selvagens em que já ninguém entra para a furgoneta de rabo molhado.

Passei a infância a cobiçar a bola de praia da Nivea que só se via nos anúncios das revistas americanas. Agora já não se pode comprar uma latinha de creme Nivea numa farmácia de Penamacor sem nos enfiarem uma bola enorme por uma narina acima.

O timing dos desejos quase nunca corresponde às entregas. Quando se tem idade para comprar o canivete suiço de que se precisava quando tínhamos 5 anos, para desbravar mato e afiar flechas de cana, já é tarde demais.

Este ano, em certas praias indivulgáveis, a Nivea ergueu uns vestiários catitas que permitem vestir ou despir o fato-de-banho sem correr o risco de se ser fisgado por atentado à moral. São sabiamente concebidos, sem modernismos escusados como cabides ou banquinhos, para não aliciar o banhista a demorar-se. O fato-de-banho cai na areia, contorcem-se as nádegas para submetê-las a um lance do capote, puxam-se as cuecas e as calças e, num ápice, fica-se despachado, fora o sobrevoo de algum drone fotografante.

Os guarda-modéstias da Nivea contrariam a tendência praieira dos últimos anos que tem sido expor o maior número possível de rabos aos olhos de espectadores desprevenidos e revoltados. A verdade é que vivemos em tempos selvagens em que já ninguém entra para a furgoneta de rabo molhado.

Ainda bem que a Nivea interveio. Assim não temos de levar com as risotas das crianças quando dão connosco a dobrar oito vezes uma toalha para proteger os estofos da encharcada. Esperemos que estes tapa-rabos se espalhem a todas as praias.

 

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