Viva Portugal!

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Os campeonatos de futebol - o campeonato do mundo e o campeonato da Europa, sobretudo - trazem invariavelmente à superfície a insondável estupidez do nosso pobre patriotismo. Primeiro, vem o mote obrigatório da excelência indígena. Há sempre alguém que é "o melhor do mundo" - neste caso Ronaldo - e que por antecipação ou identificação também faz do português comum, agarrado ao seu osso, o "melhor" de qualquer coisa obscura e o transforma por uns tempos num indiscutível herói. Para a Pátria miserável, endividada e desorganizada, aquele seu filho acaba por ser aquela pequena parte de reconhecimento e de glória que nunca teve e nunca terá. Dantes, o governo distribuía um mapa com Angola e Moçambique por cima da Europa para mostrar, a encarnado, a nossa grandeza. Agora, sobra Ronaldo, muito sozinho.

O que não impede o verdadeiro patriota de acreditar que com um bocadinho de sorte e um bocadinho de justiça vamos com certeza ganhar a essa gente desconhecida e hostil, que não nos conhece ou não nos respeita. Para inaugurar a festa, o DN dava ontem de manhã cinco razões para implicarmos com a Alemanha e cinco razões para gostarmos dela. A consciência nacional não se dispensa nestas ocasiões. Por exemplo, se perdermos, convém lembrar que D. Fernando (marido de D. Maria II) mandou construir o Castelo da Pena, que D. Carolina Michaëlis escreveu uma História da Literatura Portuguesa, que 5000 (quem diria?) nos deram uma ajudinha a conquistar Lisboa aos mouros. Sem eles, o Chiado talvez não existisse. Perante isto, custa desejar que Ronaldo resolva espezinhar um povo tão simpático.

Estes serviços justificam, pelo menos, 5 a 0, ou 0 a 5, porque as dívidas, como avisa o Governo, se devem pagar. Mas se ganharmos, também não justificam ficarmos com remorsos. Para começar, durante o século XIX a Alemanha cobiçou vilmente as nossas colónias. A seguir, em 1918, massacrou a 2.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português. Pior: o ursinho de peluche é quase clandestinamente fabricado em Portugal. O inevitável Hitler matou em Salónica judeus portugueses. E, mais recentemente, a sra. Merkel declarou em público que nós, portugueses de lei e de coração (como "europeus do Sul") trabalhávamos pouco. Bastava esta calúnia imunda para a Alemanha merecer os 5 a 0, que Ronaldo infalivelmente lhe irá aplicar. Connosco não se brinca, como os leitores deste jornal já sabem. Ou não sabem.

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