Renegociar é um assunto sério

O resgate de Espanha fez do dia de Camões um dia da Europa. Mais do que estava previsto

As ondas de choque do pedido de resgate à banca espanhola percorreram depressa a distância que separa Madrid de Lisboa. E fizeram com que, este ano, o dia de Camões tenha sido, de facto, um dia da Europa. Fora esse, aliás, o desejo do Presidente da República, que escolhera para cenário das comemorações o Centro Cultural de Belém, como símbolo da primeira presidência portuguesa da Comunidade Europeia, em 1992. Cavaco Silva dedicou o seu discurso ao tema da solidariedade europeia e da defesa da moeda única como condição de sobrevivência do projecto europeu. E lembrou que a Europa nunca abandonou "uma grande nação europeia que viveu dividida por muros sem sentido". Mas, mais do que a memória do Muro de Berlim, o que marcou este Dia de Portugal tão europeu foi a queda de um muro que há um ano separava Portugal e Espanha. Agora, os países ibéricos estão ambos sob assistência financeira. Mesmo que essa ajuda seja diferente da portuguesa, desapareceu a ficção de que os espanhóis estavam imunes ao nosso destino. E a questão, neste momento, é saber como é que o resgate cuja existência é negada por Mariano Rajoy vai afectar a renegociação do nosso empréstimo, que o Governo português tem negado com veemente insistência. Após as comemorações deste Dia de Portugal, Passos Coelho levantou uma ponta do véu e disse "não ter dúvidas" de que a renegociação acontecerá, mas apenas num cenário de condições excepcionalíssimas. Apesar do que disse, Passos continua preso aos muros mentais sem sentido da Alemanha de Merkel. Ora o tempo dos tabus acabou. E já não se trata de o Governo admitir ou deixar de admitir que está disposto a renegociar, mas sim de o Governo assumir que não há alternativa a renegociar. Por causa de Espanha, este dia de Camões que foi também da Europa, foi o dia em que as ilusões acabaram.

Dois triunfos para François Hollande

Na noite em que foi eleito para o Eliseu, falando aos seus apoiantes em Paris, François Hollande pediu que dessem uma maioria ao Presidente. Os resultados da primeira volta das legislativas parecem indiciar que o apelo foi ouvido. Mesmo que não seja possível falar em "maré rosa", os socialistas e os seus aliados ecologistas conquistaram 40 por cento dos votos e a maioria absoluta está ao seu alcance. Embora o impulso de mudança que pretendeu introduzir nas questões europeias pareça ter-se esboroado depressa, Hollande está a conseguir reforçar a sua legitimidade interna. A outra boa notícia para o Presidente é o facto de o partido do seu antigo rival, a UMP de Nicolas Sarkozy, ter conseguido tantos votos quanto os socialistas. Isso significa que, apesar de a extrema-direita ter crescido, a direita gaulista aguentou firme. O extremismo não prevaleceu e isso é uma óptima notícia para o futuro do Governo socialista.

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