A insatisfação democrática na Europa

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Em Turku, como no resto da Finlândia e na Suécia, o primeiro de Maio é também o Dia do Trabalhador, mas é sobretudo um dia de festejo da Primavera, pois as árvores e os arbustos estão cheios de rebentos e de pequenas folhas verdes. É o Dia do Estudante, o actual e o passado, numa festa em que muitos milhares de finlandeses que acabaram a escola secundária saem à rua com um boné branco e preto, comem, bebem e fazem piqueniques ao ar livre. Esta tradição remonta a meados do séc. XIX e é comum aos países escandinavos e certas partes da Alemanha. Mais do que a ética protestante, como sugeria o sociólogo Max Weber, esta importância simbólica e real dada por estes países à educação explicará melhor os níveis de desenvolvimento relativo.

No mesmo dia, em Lisboa, o líder comunista e secretário-geral da CGTP cumpre o ritual do discurso da manifestação do Dia do Trabalhador, com críticas ao memorando da troika por pôr em causa a democracia e a soberania nacional, esquecendo que foi a quase bancarrota nacional o motivo da perda de soberania. Mas, em Portugal, a verdadeira celebração não foi o Dia do Trabalhador, mas o dia do consumidor, numa corrida às compras devido a controversos descontos de 50% no Pingo Doce (pois ou é dumping - venda abaixo do custo para eliminar a concorrência - e é ilegal, ou não é, e é imoral). Ficámos a saber, esta semana, que a partir de 2015, se as condições o permitirem, o Governo começará a devolução dos subsídios de férias e de Natal aos insatisfeitos e injustiçados pensionistas e funcionários públicos. Será ano de eleições, mas trata-se de uma pura coincidência...

Em França, decidir-se-á hoje quem será o próximo Presidente da República. O debate entre Hollande e Sarkozy foi um bom manual de como tentar ganhar eleições. Hollande piscou o olho aos "verdes", anunciando o fecho de uma central nuclear, e aliciou a importante classe dos professores prometendo novas contratações, ao invés de Sarkozy, que os despediu. Este tentou pescar no eleitorado de Marine le Pen, falando dos imigrantes e associando-os à prática da religião muçulmana, apontando o dedo a Hollande por este não ter votado a proibição da burka em locais públicos. Hollande, com parte dos votos de Mélenchon e Bayrou e com Marine Le Pen a não apoiar Sarkozy, será provavelmente o novo Presidente. Será alguma mudança para os franceses, mas em nada mudará a política europeia. A sua personalidade é mais fraca que Sarkozy e ainda fará pender o eixo franco-alemão mais para o lado da Alemanha. As eleições que influenciarão o futuro da Europa serão as gregas e as alemãs.

Na Grécia, o dia de hoje é também de eleições e há algo que já se sabe. A fragmentação parlamentar vai aumentar. Os socialistas do PASOK que tiveram 43,9% irão cair significativamente e a Nova Democracia (ND) perderá deputados, mas será com certeza o partido vencedor. A grande dúvida de hoje é se a soma dos deputados da ND e do PASOK serão suficientes para alcançar uma maioria, pois a ND poderá beneficiar ou da neutralidade de um derrotado e enfraquecido PASOK ou de uma coligação com este num governo de salvação nacional.

A Inglaterra teve também eleições locais esta semana, com um ganho óbvio dos trabalhistas, a expensas dos conservadores e liberais-democratas no poder. Na Espanha, os eleitores apoiantes de Rajoy sentem-se enganados pela continuação e reforço das medidas de austeridade. Confirma-se a tendência de uma cada vez mais rápida penalização dos partidos que ganharam as últimas eleições.

Dados de inquéritos aos cidadãos europeus (Eurobarómetro) sobre a sua satisfação com a democracia mostram que ela está correlacionada com a satisfação com a economia e com a vida em geral. A crise do euro e das dívidas soberanas está longe de estar ultrapassada e a Europa não cresce, pelo que é de prever que os níveis de insatisfação em relação às democracias aumentem, sobretudo nos países mais atingidos pela crise. Isto agravar-se-á pois os eleitores perceberão que de pouco lhes servirá a alternância democrática, com partidos escleróticos que reproduzem rituais e estratégias do passado e não se capacitam para as necessidades do futuro. É tempo de os europeus começarem a construir uma federação política. Mas, infelizmente, só o farão na sequência de tragédias que ameacem seriamente o euro e o projecto político europeu. A primeira, a grega, parece aproximar-se.

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