O americano intranquilo

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Não é líquida a reeleição de Obama. Vale a pena lembrar que Churchill perdeu as eleições após ter ganho II Guerra Mundial

A chuva pingava molemente de um espesso céu de algodão sujo e ameaçava aquele fim de tarde horrivelmente cinzento. O vento gelado soprava de New England e varria as águas escuras de Upper Bay, fazendo baloiçar os ferries como barquinhos de papel arrastados na enxurrada em brincadeiras de criança. Ao fundo, a verde e desbotada Estátua da Liberdade acenava a marinheiros, a aventureiros, a turistas, a jacobinos e a libertinos, sobre quem a tempestade ameaçava desabar. Donald permanecia afundado no sofá numa indolência passiva e mansa. A popularidade do Presidente estava nos níveis mais baixos desde a sua eleição, o desemprego permanecia teimosamente alto e os americanos estavam furiosos. Donald, no seu monumental ego, vislumbra-se já a ocupar a Casa Branca que há tantos anos desesperadamente ambicionava e pelo qual tanto tinha lutado. Os milhares de milhões ganhos e o seu pai, comerciante de galinhas, era o bastante não só para provar o seu excepcionalismo, como também a materialização do sonho americano. Todavia, estava apreensivo, expectante, nervoso. Quarenta anos passados nos corredores e gabinetes da Casa Branca, do Congresso e de Wall Street tinham-lhe o apurado o instinto felino e aguçado a fina argúcia. O irritante silêncio do Presidente das últimas semanas era estranho. Subitamente, o cellphone retiniu insistentemente. As pernas tremeram, o estômago gelou. Aquele era seguramente o telefonema que não queria atender e a mensagem que não queria receber. " Is that you, Donald?", questionou uma voz metálica, do outro lado. "Yes", retorquiu.

"Fuck Donald, o Presidente apanhou o árabe e vai fazer uma declaração ao país às 8. Tem as próximas eleições ganhas." Concluiu e desligou. As nuvens corriam agora aflitas para oeste donde caíam pesadas bátegas que atacavam furiosamente as janelas do luxuoso escritório no World Financial Center, na low Manhattan. Donald afundou-se ainda mais no sofá, pousou os olhos no chão e murmurou: "Son of a bitch!! Ainda não ganhaste..."

Posteriormente, iniciou-se a maior campanha de descredibilização jamais levada a cabo contra o Presidente americano. Os violentos ataques dos conservadores vão hilariantemente desde Donald Trump, com a acusação ao Presidente de não ter nascido nos EUA, obrigando-o, deste modo, a apresentar o seu certificado de nascimento (pois uma mentira afirmada muitas vezes acaba por se tornar em verdade), até às mais repelentes acusações racistas de Newt Gingrich: "O sr. Obama mostra um comportamento anticolonial queniano." Alegam ainda: que será naïve, socialista, mulçumano e um líder frouxo.

Todavia, à cegueira racista coloca-se a seguinte questão: o que é feito do superavit que o governo de Bill Clinton deixou em 2000? A resposta é muito fácil. Primeiro: George W. Bush cortou os impostos a 2% da população financeiramente abastadíssima, representando 2 biliões de dólares de dívida pública. Segundo, a invasão do Iraque e a guerra no Afeganistão somaram mais 1,1 triliões de dólares. E, terceiro, consequência da política de desregulação defendida por poderosos republicanos fortemente ligada aos lobbyists de Wall Street e da CBOT, resultou na maior recessão desde 1929, colocando não só os EUA mas também todo o mundo numa crise sem precedentes, com particular incidência na Europa e, muito em especial, Portugal.

Porém, Barack Obama implementou um programa financeiro de estímulo, tirando a economia norte-americana da crise. Contudo, a resistência dos conservadores, agora em maioria no Congresso, impede-o de implementar um programa de lançamento de impostos sobre os mais ricos que iria neutralizar a dívida pública americana nos próximos 10 anos. Acresce que, numa extraordinária operação de coragem, organização e liderança, Obama eliminou Bin Laden (imaginem o escândalo se a operação corresse mal), fazendo disparar os seus níveis de popularidade. Anunciou, ainda, retirar as tropas do Afeganistão a partir de Agosto, depois de ter já retirado grande parte das tropas do Iraque. Porém, os contra-ataques não se fizeram esperar. Deste modo, os conservadores sordidamente desvalorizaram a operação de neutralização do líder da Al-Qaeda, atribuindo as glórias a George W. Bush, e tentam agora eliminar as bases de apoio eleitorais de Obama, nomeadamente obrigando cerca de 30 milhões de americanos, na sua maioria afro e latino-americanos, a apresentar um documento oficial no acto eleitoral, sem o qual não poderão exercer o seu direito de voto, o que irá custar várias centenas de dólares a famílias com escassíssimos recursos. Acresce que não será possível obter este documento a tempo das próximas eleições, eliminando, assim, uma grande parte dos eleitores que votam no partido democrata.

Como se não bastasse, de acordo com o relatório do Center for Responsive Politic, os conservadores receberam ilegalmente cerca de 60 milhões de dólares provenientes dos lobbyists das empresas, dos advogados e, imagine-se, da Fox News. Por outro lado, o republicano Paul D. Ryan propôs desmantelar o Medicare, sistema de saúde para os indigentes. Todavia, segundo um relatório do Employee Benefit Research Institute, 56% dos trabalhadores americanos afirmam ter menos de 25.000 dólares em poupanças para a velhice e 29% afirmam ter menos de 1000 dólares. Escandalosamente, a média dos bónus por pessoa em Wall Street atingiu os 130.000 dólares em 2010...

Os tempos são intranquilos para Obama. Neste sentido, não é líquida a sua reeleição. Vale a pena lembrar que Churchil perdeu as eleições depois de ter ganho II Guerra Mundial. Professor e Investigador, Universidade do Texas -EUA/ Universidade Nova de Lisboa

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