Direito ao silêncio

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Debate Advogados e Justiça

Pela via habitual da comunicação social, a ministra da Justiça anunciou ao mundo que a confissão de um arguido em sede de inquérito passa a ter valor absoluto em juízo.

Ao arrepio do avanço civilizacional, ao lado da época da tecnologia na recolha da prova, ignorando os meios sofisticados e científicos de investigação, por decisão governamental regressamos ao tempo em que um cidadão fica à mercê da vontade das autoridades.

Com esta velha novidade não se pretende uma Justiça à americana, como popularmente se classificou com inegável regozijo, mas tão-somente a concessão da total arbitrariedade na obtenção de confissões rápidas e céleres assentes no temor.

Os excessos cometidos, alguns processos judiciais referentes a torturas sofridas por arguidos e as declarações obtidas sob coacção psicológica são uma realidade existente e incontornável no processo penal nacional, pelo que a salvaguarda de um Estado de direito não se compadece com nenhuma corruptela ou cópia de algum sucedâneo de um Patriot Act de má memória e símbolo máximo da violação dos direitos humanos.

De facilidade em facilidade, de simplificação em simplificação caminhamos para uma crescente diminuição dos princípios estruturantes que asseguram a cada indivíduo a sua esfera de protecção de liberdade perante a força do Estado.

Ao criar crescentes brechas nas garantias de defesa dos cidadãos, está a ser prestado um péssimo serviço à sociedade e à Justiça penal que deve ser erigida numa investigação criminal séria, ponderada e cuidadosa e não na rapidez da confissão acompanhada de um visto de um qualquer defensor de ocasião, sempre ao abrigo da intimidação.

O nosso sistema democrático, no actual rotativismo existente, está a atingir o ponto de ruptura com uma governação de curta duração aliada a uma necessidade constante de protagonismo dos titulares dos cargos ministeriais, que se manifesta no impulso incontrolável de anunciarem a "reforma" do seu sector de actuação. Por cada "reforma" os portugueses vão perdendo direitos, arduamente conquistados ao longo de anos, em detrimento de cliques que vão acumulando regalias e aura de intocáveis e que, certamente, nunca serão afectados por pressões no âmbito de um qualquer inquérito, ao contrário de quem não tem posses para contratar a defesa de um advogado livre e independente.

É este dever de denúncia, que compete em especial aos advogados, que hoje novamente se exerce em prol do legítimo direito ao silêncio.

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