A propaganda e os factos sobre o Citius

O mais relevante, para os cidadãos, é saber se o Governo tem ou não acesso à informação constante de processos judiciais

OMinistério da Justiça (MJ), através do secretário de Estado da Justiça (SEJ), respondeu às dúvidas da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) sobre a segurança do Citius e às criticas sobre a falta de fiabilidade e ineficiência que gera. A atitude é legítima, a forma é lamentável. Raiando o ataque pessoal, ao ligar as críticas à "campanha eleitoral desse sindicato", o que seria o menos, a forma como acintosamente a ASJP foi apelidada de "sindicato" diz tudo. Pretendeu-se, na arrogância típica deste Governo, desvalorizar as críticas, como se os "sindicatos" tivessem a peste negra e tudo o que venha deles tenha peçonha. Esclareça-se que os juízes nada ganham nem nada perdem nos seus direitos socioprofissionais com o Citius. O que os juízes fizeram, numa primeira fase, através da ASJP, foi ter uma atitude de cooperação na introdução desta ferramenta informática, pois o importante era que os cidadãos pudessem sair beneficiados, com mais Justiça. Mas logo dissemos que o Citius devia estar no domínio do Conselho Superior da Magistratura (CSM), quanto aos processos judiciais, e que devia ser seguro, fiável e eficiente. E o SEJ assegurou que assim seria. Os factos, entretanto, colocaram em causa este compromisso. Por isso é que a ASJP tem hoje o posicionamento crítico que tem sobre o Citius. E que há-de continuar a ter, para além das eleições, se nada mudar quanto à sua segurança, fiabilidade e eficiência. Mas vamos aos factos.
A ASJP apresentou em Maio e Novembro de 2008 propostas de melhoria do hardware e do software do Citius, a generalidade das quais até hoje ainda não foi satisfeita. As questões de falta de segurança daquele sistema informático foram comunicadas em reunião com o SEJ, que as desvalorizou e não lhes deu resposta. O mais relevante, porém, não é isto. O mais relevante, para todos nós, cidadãos, é saber se o Governo, através dos seus funcionários, tem ou não acesso à informação constante de processos judiciais. E se o Citius for estendido aos processos-crime, se tem ou não acesso às investigações em inquérito.
Por que é que o SEJ não quer que o CSM seja o administrador do sistema dos processos judiciais e a Procuradoria-Geral da República (PGR) dos inquéritos-crime? Por que é que o SEJ não aceita que seja feita uma auditoria externa para saber se o Citius está construído com um bom sistema de segurança, em função das regras processuais de acesso à informação judicial e em inquérito, se foram ou não definidos perfis e níveis de segurança dos diversos intervenientes, se o sistema é fiável e eficiente ou se, para acautelar tudo isto, é mais seguro continuar a haver o suporte físico do processo?
Percebe-se que o SEJ não queira nem aceite nada disto. Sabe os resultados. Por outro lado, com a propaganda de que isto é a "resistência de alguns à mudança", espera obter os efeitos que pretende, ou seja, que o assunto morra por aqui e que nem a Assembleia da República o fiscalize, nem o CSM nem a PGR exijam a administração do sistema. Talvez tenha razão, pois o passado é-lhe favorável. Com efeito, apesar de o SITAF (sistema informático dos tribunais administrativos e fiscais) ser reconhecidamente um sistema inseguro (até foi administrado por uma empresa privada), falível (tendo estado inoperacional mais de dois meses no TAF de Braga), obsoleto e ineficiente, a verdade é que ninguém pediu responsabilidades a quem do MJ o apresentou então como a oitava maravilha.
Apesar de a reforma da acção executiva ter sido apresentada como a panaceia dos atrasos da justiça cível, a verdade é que ninguém se preocupou em saber quem foi o responsável pelo Gabinete do MJ que copiou tal ideia. Curiosamente, o mesmo que, quando a ASJP denunciou em 2006 que a acção executiva era o mais grave problema da Justiça, desvalorizou tal diagnóstico, conseguindo que só em 2009 se tenham adoptado algumas das soluções que então preconizávamos. E, apesar de a informática dos registos civis só poder funcionar a horas nocturnas, como ninguém sabe publicamente disso, o problema não existe. Presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses

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