Tudo bons rapazes

Oriundos de El Paso, um pequena localidade situada nos confins do Texas, os At The Drive-In assinam em "Relationship of Command" um sério candidato a álbum rock do ano. Só não lhes falem dos cabelos.

A pequena localidade fronteiriça de El Paso, nos confins do Texas, é a imagem demasiado real de um lugarejo de fim de mundo. "Lá não se passa nada", diz Cedric Bixler, vocalista dos norte-americanos At The Drive-In. "A única coisa de que as pessoas se lembram quando mencionam El Paso é de Richard Ramirez, o célebre assassino dos caminhos-de-ferro, que actuava entre o México e os Estados Unidos". Até agora. Ao lado dos também texanos And You Will Know Us By The Trail Of Death, os At The Drive-In foram a grande sensação rock em palco nos recentes XXII Rencontres Transmusicales de Rennes, em França. Actuaram no segundo dia do festival, ao lado de um forte contingente electrónico que ameaçava destronar o peso da demência eléctrica, mas à custa de uma presença cénica fascinante chegaram e bastaram para silenciar os detractores do rock que não se cansam de apregoar a sua morte. "O palco é para nós um campo de batalha, e como em todas as guerras nós só queremos sair vencedores", diz Omar Rodriguez, o guitarrista do quinteto norte-americano. "Para nós é uma terapia de choque. Uma forma de expulsar a mediocridade". Os At The Drive-In estiveram em Rennes para apresentar "Relationship of Command", o seu terceiro longa-duração com presença garantida nas listas de melhores discos rock do ano. É um álbum simultaneamente urgente e melancólico, furioso e sofisticado, dono de um equilíbrio perfeito entre adrenalina e intelecto que é só por si capaz de reconciliar-nos com o moribundo punk-rock, dez anos depois de um furacão chamado Nirvana ter soprado desde Seattle. É rock'n'roll sem regras nem barreiras, agora e para sempre projectado no grande ecrã do século XXI. "Vemo-nos sobretudo como uma irmandade, um grupo de amigos que se conhecem há muito tempo e que para combater o tédio se refugiaram na música, que foi desde sempre a nossa única esperança", revela Cedric Bixler. "Sacrificámos tudo por este grupo, da faculdade às namoradas, com o único objectivo de sairmos de El Paso o mais depressa possível. Este álbum foi o nosso passaporte", garante o vocalista dos At The Drive-In. Rock retro-futurista. À partida, as fartas cabeleiras "afro" dos seus membros sugerem uma espécie de reencarnação viva dos MC5 para a posteridade - "somos músicos, não somos modelos", irrita-se Rodriguez -, mas "Relationship of Command" fala na verdade das reminescências que ficaram dos Fugazi e demais correntes "hardcore" com sede em Washington DC. Mas também dos Rolling Stones e dos Velvet Underground, de Lux Interior dos Cramps e dos Stooges de Iggy Pop (presença tutelar no tema "Rolodex propaganda"), dos Pixies e de Rob Tyner. "Todos os nomes que referiu são de facto grandes influências para nós, mas não restam dúvidas de que sobretudo os Fugazi são para nós uma espécie de referência espiritual", diz Bixler. "Para alguém que cresceu a ouvir punk-rock, e que por isso mesmo sempre desconfiou das melodias e do poder emocional das canções, os Fugazi são uma espécie de enciclopédia universal. E tal como eles, a única coisa que queremos mostrar é que afinal também há lugar para a beleza no 'underground'".Por agora, "Relationship of Command" já produziu os seus efeitos. Colocou os At The Drive-In na vanguarda do movimento rock retro-futurista norte-americano, que tem em bandas como os Make-Up, Railroad Jerk, Jon Spencer Blues Explosion, Royal Trux e Delta 72 os seus principais representantes. "Preferimos não falar em movimento", recusa Rodriguez, "porque expressões como essa pressupõem à partida a existência de um espírito de comunidade, com todas as implicações ideológicas que isso acarreta. Para nós, o que existe é uma re-curiosidade, um desejo de regressar às origens para nelas descobrirmos a essência das coisas, aquilo que nos permite confrontar as verdades ilusórias de agora. Mas não há dúvida de que as bandas rock norte-americanas estão hoje e por regra muito mais informadas sobre os diferentes contextos por que passou a música popular ao longo da sua história". Com os At The Drive-In, Richard Ramirez passou finalmente à história. "Queremos destruir o mito, apagar essa sombra maldita do passado. Queremos mostrar às pessoas que alguma coisa de bom pode emergir de um lugar assim tão desolado". El Paso, Texas.

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