Arte em estufa

A ideia partiu dos comissários João Vilhena e Susana Guardado: juntar, nos espaços da Estufa Fria de Lisboa, 14 artistas que trabalhassem a relação arte/natureza. Sete obras, cada uma delas feita por dois desses artistas, estão assim presentes num lugar luxuriante, artificial, onde a natureza se preserva: uma espécie de museu.

Escondida no sector ocidental do Parque Eduardo VII, a Estufa Fria (e a Estufa Quente, que lhe é adjacente) guarda reminiscências do Estado Novo na sua arquitectura e nos seus propósitos: inventaria uma flora de sabor tropical que o visitante não encontra no território continental português, espécie de jardim de Inverno da cidade. A Câmara Municipal de Lisboa, proprietária do espaço, sabe que o seu destino habitual está nas excursões de turistas espanhóis de terceira idade que o visitam, ou nos pares de namorados que o procuram, e tem por isso, ou talvez nem por isso, incentivado a realização de exposições no Salão adjacente.Foi assim há pouco tempo, com a apresentação dos trabalhos de finalistas da ESBAL, como, há alguns anos, com a motra "Greenhouse", que reunia um conjunto de artistas jovens, assinalando começos de carreira que depois se vieram a confirmar como das mais interessantes no meio nacional. Agora, em apoio a um projecto dos artistas João Vilhena e Susana Guardado, inaugurou "2000 Greenspaces", uma colectiva de 14 artistas sobre as relações entre arte e natureza.O tema é romântico, como romântico é, afinal, o espaço. A exposição não decorre no Salão, como é habitual, mas distribui-se pelos espaços das duas estufas, com resultados mais ou menos visíveis. É que, desde logo, se colocam problemas de durabilidade e conservação das peças: os caminhos de terra ou os lagos por onde elas se distribuem não são guardados, o que pode facilitar e tem facilitado a sua degradação. Por vezes, essa degradação foi pretendida pelos artistas: é o caso da peça de Patrícia Garrido e Ana Pinto, uma silhueta desta última feita com barro, no chão, pela primeira, na linha das silhuetas de "vítimas de assassínios" que expõe actualmente na Galeria Diferença, em Lisboa. Com o passar dos visitantes, a silhueta esbateu-se, sendo hoje fracamente identificável. A abordagem de Patrícia Garrido segue o percurso próprio da sua obra, onde apenas se modifica o local escolhido para a perpetração do "crime". Se, nas peças da galeria, ele ocorrera nas alcatifas da casa da artista, aqui é na própria natureza tropicalizada que a evidência se destaca. A relação com a natureza que as duas artistas enunciam não é, assim, romântica, mas apenas circunstancial. E uma abordagem semelhante, ou um entendimento semelhante do lugar da arte, destaca-se na obra colectiva de Xana e Ricardo Valentim: quatro cadeiras e uma mesa de pinho, sobre a qual estão quatro bandeiras de padrão desconhecido - mas onde distinguimos alguns dos motivos da pintura de Xana. A obra, que introduz um lugar para repousar no meio da vegetação, joga ironicamente com o significado do lugar, museu triunfante de uma natureza colonizada, ao mesmo tempo que remete para uma página de internet, por meio de uma etiqueta: www.lovelygarden.com.De Gilberto Reis e Susana Guardado há uma inscrição ao rés da linha de água de um dos lagos da estufa: "Os exércitos e as doenças redefinem-se a todo o momento". De Carlos Roque, um cabo de metal que une o centro de um outro lago, este na Estufa Quente, à cobertura em vidro e metal do telhado. O cabo, que se reflecte na água dando a ideia de se prolongar infinitamente, realiza a união entre céu e terra que a natureza intacta deve proporcionar, segundo a concepção romântica da arte. Esta é uma das obras que reflecte sobre a pertinência de pensar conjuntamente os conceitos de arte e natureza; perto dela, há um poema num cartaz, encostado a um muro de pedras: "under the bed/often space lies/even in red/ sometimes a pup dies/all that is said/sounds better in rhyme/I guess earth/ is a thread/of heaven and time".Francisco Tropa, ao virar de uma esquina, montou um cavalete, uma cadeira de jardim, pincéis e uma caixa de tintas, como se um artista desconhecido se preparasse para pintar "do natural". Mas, no cavalete, o que se dá a ver ao espectador é a reprodução (a óleo) da capa de uma revista vagamente científica, com chamadas para artigos de sabor esotérico. O que é, então, a realidade? Perto, Marta Wengorovius e João Vilhena parecem retomar a mesma problemática, emoldurando a vermelho um conjunto de nenúfares que boiam num outro lago - e declarando assim, implicitamente, que a realidade é a arte.Quanto a outros artistas presentes na colectiva, Armanda Duarte, João Galrão, Catarina Simões, Sérgio Taborda e Gilberto Reis, foi impossível encontrar os seus trabalhos, mesmo, e apesar, do mapa que é entregue a todos os visitantes.

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