Ricardo Trigo: “É ano de El Niño e as temperaturas estão acima do normal”

Chuvas intensas na Califórnia ou secas no Norte da Austrália e na Indonésia – estes são alguns dos fenómenos climáticos que podem ocorrer com a ajuda do El Niño, nota o climatólogo Ricardo Trigo.

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O El Niño chegou e espera-se um aumento as temperaturas GETTYIMAGES
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Chegou oficialmente o El Niño – um fenómeno caracterizado por correntes quentes no oceano Pacífico, que atingem as costas do Equador, do Peru e do Norte do Chile. Com ele, espera-se que sejam batidos recordes na temperatura média global do planeta.

Perguntámos ao climatólogo Ricardo Trigo o que se espera do El Niño nos próximos meses. Por agora, o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa diz que algo é certo: “Aquilo que sabemos é que é ano de El Niño e que as temperaturas estão acima do normal, o que implica um conjunto de fenómenos climáticos regionais.”

A Administração para o Oceano e a Atmosfera (NOAA, na sigla em inglês) norte-americana anunciou esta quinta-feira que o fenómeno El Niño começou oficialmente e deverá “reforçar-se gradualmente” nos próximos meses. O que se pode esperar nos próximos meses?
O fenómeno El Niño é um chamado “fenómeno acoplado de oceano-atmosfera”, o que significa que há uma grande ligação entre o comportamento do que se passa no oceano Pacífico, principalmente na zona central, onde as temperaturas sobem gradualmente, e muito do que se passa na atmosfera. Quando se passa um determinado limiar [de temperatura na superfície do oceano], é declarado se estamos perante um El Niño e se é fraco, moderado ou forte.

O facto de ser um fenómeno acoplado significa que, normalmente, sabemos com antecedência que, quando as temperaturas na zona central e Leste do Pacífico começam a subir, há um conjunto de fenómenos na atmosfera que se vão desencadear. Pode haver chuvas mais intensas e deslizamentos de terras na Califórnia, assim como secas no Norte da Austrália e na Indonésia.

Muitas vezes, esses fenómenos não ficam restringidos à zona do Pacífico. Por exemplo, eles podem englobar a Índia, que costuma ter situações de seca em anos de El Niño. Isto é muito importante porque grande parte da agricultura da Índia está dependente da água da chuva. Portanto, se se declarar que é um ano de El Niño, a probabilidade de ser um ano com chuva abaixo do normal na Índia tem as suas consequências socioeconómicas. Há também zonas na América do Sul, na Amazónia e partes de África onde sabemos que, em geral, haverá perturbações.

Referiu que a previsão é feita com alguma antecedência. Como é que se prevê este fenómeno?
Quando começam a aparecer as temperaturas acima da média expectável na zona central do Pacífico e na zona mais junto ao Peru, sabemos que isso vai implicar maior convecção do ar e maior precipitação. Portanto, há uma antecedência de vários meses [na previsão do que vai acontecer].

Que El Niño vai ser o deste ano?
Nesta altura, ainda não sabemos. Pode vir a ser bastante forte. Por agora, aquilo que sabemos é que é ano de El Niño e que as temperaturas estão acima do normal, o que implica um conjunto de fenómenos climáticos regionais. Agora, se vai ser um El Niño mais fraco, moderado ou relativamente forte, ainda não se saberá nesta altura do campeonato.

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O climatólogo Ricardo Trigo DR

Ainda não é possível saber se o El Niño deste ano será forte ou fraco?
Diria que não deve ser fraco, mas entre moderado e forte pode haver uma grande diferença. Para ser forte, tipicamente, as temperaturas têm de estar próximas de três graus [Celsius] acima do que é usual para a altura do ano na zona central do Pacífico. Isso é muito difícil de saber nesta altura. Mas também não devem ficar só meio grau acima. Provavelmente, será um El Niño moderado. As curvas de evolução plausíveis apontam mais nesse sentido.

Em Maio, a Organização Meteorológica Mundial já tinha indicado que o período 2023-2027 poderia ser o mais quente registado na Terra, devido ao efeito combinado do El Niño e do aquecimento global causado pelas emissões de gases com efeito de estufa. Qual poderá ser aqui a influência do El Niño?
Cada cinco anos que passam são mais quentes do que os cinco anos anteriores. Agora, o El Niño puxa a temperatura global média para cima e a La Niña [fenómeno em que a temperatura do Pacífico central está abaixo da temperatura normal] puxa um bocadinho para baixo. Com o El Niño de 1997-1998, que foi dos mais fortes, teve-se de repente uma temperatura média global brutal, que não foi quebrada durante alguns anos. Depois, veio o de 2015-2016, que bateu os recordes.

A temperatura está sempre a subir e os anos de El Niño puxam-na para cima e os anos de La Niña puxam-na para baixo. Os últimos três anos foram de La Niña fraca e, apesar de estarmos nalguns dos anos mais quentes de sempre, não foram ainda mais quentes porque, globalmente, tínhamos o fenómeno de La Niña.

Ora, como este ano vai ser ano de El Niño, a probabilidade de se virem a bater recordes de temperaturas é bastante elevada, porque o El Niño ocupa uma vasta área da zona central do planeta e ajuda a puxar as temperaturas todas para cima. Soube-se há poucos dias que a temperatura da água do mar em Maio [de 2023] foi a mais quente de sempre [desde que há registos], o que pode já estar associado, em parte, ao impacto do El Niño.

A frequência do El Niño está a ser cada vez maior?
É muito irregular. Pode estar-se cinco anos sem o El Niño ou passar-se um ano e depois aparecer outra vez. Normalmente, um El Niño mais fraco ou moderado ocorre entre dois e cinco anos, e de 15 em 15 anos aparece um bastante forte.

Há já alguma influência das alterações climáticas causadas pelo humano na frequência do El Niño?
Há muita gente a trabalhar nisso, mas não se consegue provar isso de forma muito clara. Os resultados de que se há mais ou menos fenómenos de La Niña e El Niño ainda não são conclusivos.

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