Pedro Marques: privatização “apressada” da TAP deixava todos os riscos para o Estado

Em causa esteve a assinatura da carta de conforto pelo PSD, diz ex-ministro Pedro Marques. Privados podiam endividar a TAP até ao máximo “e o Estado seria obrigado a comprá-la de volta”.

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Pedro Marques, antigo ministro do Planeamento e das Infra-Estruturas LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO
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Pedro Marques, antigo ministro do Planeamento e das Infra-Estruturas, foi ouvido nesta terça-feira na Comissão de Economia e Obras Públicas acerca da situação da TAP entre os anos 2015 e 2023. O socialista classificou como "desastrosa" a assinatura de uma carta de conforto pelo PSD na tentativa de reprivatizar a empresa "à pressa", colocando um elevado risco para o Estado.

A intervenção inicial do político focou-se no dia 12 de Novembro de 2015, quando o Governo PSD-CDS tentou "cumprir à pressa a privatização da TAP". Nesse dia foram assinados pareceres e declarações por parte do Governo, assim como o contrato de privatização. ​O socialista e então ministro da tutela considera que nessa noite, em que se assinou a carta de conforto, se "desequilibrou" todo o processo.

"Os erros da privatização, da nossa perspectiva [do PS], eram significativos e as consequências para o país eram muito grandes. A privatização concluída em 2015 tinha um problema maior: um desequilíbrio acrescentado", fruto da "famosa carta de conforto", assinada pela Parpública e autorizada pelos secretários de Estado do Tesouro e das Infra-Estruturas.

O actual eurodeputado explicou que a assinatura da carta de conforto criava uma situação insustentável para o Estado: "Cem por cento dos lucros seriam dos privados e 100% dos riscos eram do Estado. Os privados podiam endividar a companhia o quanto quisessem e levá-la à insolvência e o Estado seria obrigado a comprá-la de volta e a assumir todas as responsabilidades."

Pinto Luz autorizou o negócio

Pedro Marques apontou então o dedo a Miguel Pinto Luz, que "veio referir que desconhecia do que se tratava". Afinal, há um despacho assinado pelo social-democrata em que autoriza o negócio, conta o socialista. "Esteve no Governo 26 dias e estou convencido de que deve ter sido a coisa mais importante que assinou. E também a mais gravosa."

Posto isto, quando os socialistas assumiram a governação, empenharam-se em "alterar as condições da carta" e tornar o Estado "o maior accionista da empresa", valorizando-a e executando o plano estratégico acordado. "Conseguimos anular a carta de conforto na negociação com o sector financeiro, que punha o Estado numa situação de risco", sintetizou. E acrescentou: "A negociação com os accionistas privados foi difícil", mas o Estado assegurou o controlo estratégico da companhia.

"Alguns ainda não perceberam a gravidade [da decisão do Governo PSD-CDS]. A autorização da proposta de carta de conforto pelos dois secretários de Estado transforma o direito do Estado de recuperar capital numa obrigação. Há a obrigação de, estivesse a TAP em que estado estivesse, o Estado ter de a comprar. Bastava o privado não pagar uma prestação ao banco que o Estado tinha de comprar a empresa."

Sublinhando que a renacionalização "tinha urgência" porque a TAP "não ia sobreviver" à avaliação da Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia (DG Comp) a partir do momento em que existisse um "auxílio de Estado" evidente com a carta de conforto, o socialista Pedro Marques confirmou duas coisas: que "a situação [financeira] da TAP era muito complicada" e que havia uma grande "complexidade de financiamento". "A TAP foi-se endividando ao longo dos anos e não podia ter capitalizações do Estado" devido às regras da concorrência. Assim, era importante a "existência de um accionista privado" para reforçar a capitalização da empresa, acrescentou.

PSD critica inexistência de comissão de acompanhamento

Na audição de cerca de duas horas e perante uma crítica directa à governação da época, o social-democrata Paulo Rios de Oliveira apontou uma fragilidade ao antigo ministro: o facto de não ter sido criada uma comissão de acompanhamento. Esta permitiria antecipar qualquer situação de incumprimento e permitiria ao Estado recuperar atempadamente "o controlo da empresa" caso existisse "degradação do capital".

Pedro Marques defendeu-se dizendo que a comissão não iria impedir a gestão da época de fazer financiamentos ou "transferir activos para outras entidades", já que estava protegida pela carta de conforto.

Notícia actualizada às 17h56

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