Costa recusa má relação com Belém e admite insatisfação do país com Governo

Primeiro-ministro defende que ele e o Presidente não têm que estar sempre de acordo. As pessoas “não podem estar satisfeitas com o Governo” com a inflação em 7,8%, admitiu.

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Primeiro-ministro António Costa deu uma entrevista à SIC na noite desta quinta-feira NFS Nuno Ferreira Santos

António Costa recusa que haja uma estratégia de comunicação concertada exagerada do PS contra o Presidente da República e garante que, apesar de não estarem sempre de acordo, têm "respeitado as funções" de cada um. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro admite ser normal que os portugueses não estejam satisfeitos com o Governo tendo em conta o nível de inflação.

Em entrevista à SIC a propósito das novas medidas da estratégia para a habitação conhecidas nesta quinta-feira, o primeiro-ministro foi também questionado sobre as relações com Belém, as reivindicações dos professores, a avaliação do desempenho do Governo nas sondagens e a medida do IVA zero.

Questionado sobre o facto de as relações institucionais com Marcelo Rebelo de Sousa se estarem a deteriorar sobretudo por causa do pacote Mais Habitação e se depois de o Presidente ter apelidado o arrendamento coercivo de "lei cartaz" não foi um "exagero" que em uma semana Carlos César (presidente do PS), Santos Silva (presidente do Parlamento) e ele próprio tenham criticado tão duramente Marcelo, Costa disse não partilhar dessa visão.

"Eu e o Presidente já temos em comum quase oito anos de exercício de funções. Os portugueses têm apreciado que tenha sido um período de boa convivência institucional de duas pessoas que são de famílias políticas diferentes, que cada um tem as suas funções próprias e que temos respeitado o exercício das funções de cada um", descreveu António Costa.

"Não estamos sempre de acordo? Não, nem ninguém pressupõe que estejamos sempre de acordo (...). Eu não me recordo de nenhum período onde, entre uma maioria de um Governo e um Presidente, tenha havido um relacionamento tão feliz e normal", reiterou António Costa. Que acrescentou ser "normal" que o Presidente discorde de si por serem de famílias políticas diferentes.

Mas não vê nas críticas do Presidente que este entenda que o Governo esteja a "pisar o risco", até porque se entendesse isso teria competências para intervir."Eu disse coisas de que o sr. Presidente seguramente não gostou e ele também disse coisas de que eu não gostei, isso tenho a certeza", admitiu. Para logo a seguir esclarecer que não têm que "andar sempre a concordar" e que o que os portugueses "exigem" é que ambos tenham uma "relação leal e que cooperem nas causas nacionais".

Pessoas "não podem estar satisfeitas com o Governo"

Questionado sobre uma sondagem da SIC e do Expresso em que 64% dos inquiridos responderam que o Governo é mau ou muito mau – na senda da sondagem do PÚBLICO e da RTP de há um mês –, António Costa disse que não se "surpreende" com "uma avaliação deste tipo depois de um ano tão difícil e tão exigente. (...) É preciso ter consciência do que os portugueses estão a enfrentar: uma inflação como não tínhamos há 30 anos, de 7,8%, que é terrível para a generalidade das famílias, e uma crise da habitação".

"A sociedade portuguesa não está a viver momentos de euforia. Como é que quer que neste contexto as pessoas estejam satisfeitas com o Governo? Não podem estar satisfeitas com o Governo", admitiu, lembrando as sondagens no pico da pandemia, quando foi preciso tomar decisões "horríveis" de confinamento e houve momentos de "grande impopularidade e insatisfação". "Mas governar é isso: nós não podemos estar a governar só para termos os aplausos. Quem governa tem os dias bons, os dias maus e também os erros que comete, seguramente."

"A contestação faz parte da democracia", apontou sobre a manifestação que o esperava na Charneca de Caparica, em Almada, onde fez a apresentação das medidas decididas em Conselho de Ministros.

"Acolhemos umas críticas, não acolhemos outras"

Em relação ao pacote Mais Habitação, questionado sobre a sua "teimosia" em avançar com medidas tão criticadas, nomeadamente pelos municípios que são quem terá que aplicar boa parte delas, António Costa argumentou que fez o que lhe competia: "Apresentei medidas, coloquei-as em debate público e depois ponderei. Houve críticas com que não concordei e outras em que vi que podíamos obter o mesmo resultado e melhorar. (...) Acolhemos umas, não acolhemos outras."

Mas escusou-se a dizer o que fará se o Presidente as vetar. "É o funcionamento das instituições. (...) Eu não especulo nem condiciono o Presidente da República nem da Assembleia da República." Lembrou que as propostas vão entrar no Parlamento, onde já há propostas de vários partidos e outras se seguirão. "Quando a lei for aprovada na AR, o Presidente terá que apreciar. (...) Eu acredito na bondade destas medidas e tenho a esperança que os outros acreditem na bondade destas medidas."

Costa não acredita que a relação com Marcelo se degrade por causa deste tema porque "o exercício da competência própria de cada órgão de soberania nunca degrada a relação entre órgãos de soberania". "Propor" é o "dever" do Governo; "discutir, aprovar ou chumbar" é o dever da Assembleia"; "avaliar se veta, se promulga ou se pede a fiscalização da constitucionalidade é competência do Presidente da República", explicou.

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