Ter tartarugas como animais de estimação “não é boa ideia”, alertam cientistas

As espécies mais únicas de tartarugas e de crocodilos são as que sofrem mais riscos de extinção. O desaparecimento destes animais pode ter um grande impacto nos ecossistemas.

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As tartarugas requerem muitos cuidados e podem causar danos no ecossistema local se fugirem Craig Pattenaude/Unsplash,Craig Pattenaude/Unsplash
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Tartarugas e crocodilos com características mais únicas são aqueles mais em perigo Rogerio Florentino/EPA

As tartarugas e os crocodilos com características mais únicas são também aqueles que estão em maior perigo, revela um estudo publicado na terça-feira na revista científica Nature. A compra destes animais é um dos principais factores de risco para os répteis: “O comércio global destas espécies é a terceira ameaça mais importante para a sua diversidade funcional, afectando tartarugas principalmente pela sua utilização como animais de estimação e crocodilos pela comercialização da sua pele”, conclui o estudo da Universidade de Oxford. O desaparecimento destes animais pode pôr em causa todo o seu habitat.​

Ao Azul, a cientista Molly Grace, que faz parte da Universidade de Oxford e é uma das autoras do estudo, estima que venha a haver “uma grande perda na diversidade funcional” destes animais. Segundo Grace, este conceito captura “a variedade de papéis que as espécies desempenham nos ecossistemas – se são predadores ou presas, engenheiros do ecossistema [que têm a habilidade de modificar os habitat e recursos], generalistas ou especialistas [se comem uma variedade de alimentos ou uma dieta limitada]”. E os ecossistemas com “mais espécies a desempenhar papéis únicos são mais resilientes face às ameaças antropogénicas”, relacionadas com a mão humana, acrescenta a investigadora.

O estudo mostrou que as espécies de tartarugas e crocodilos em maior risco de extinção são precisamente aquelas com características mais únicas. Devido às suas estratégias de vida e funcionalidades singulares, a perda destes animais pode ter um impacto significativo nos seus ecossistemas. Os processos protagonizados por estas espécies únicas são essenciais para a fauna e a flora e não podem ser garantidos por outros animais.

Os resultados, apresentados pela equipa de cientistas, salientam que, se todas as espécies de tartarugas e crocodilos classificados pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) como gravemente ameaçadas desaparecessem, cerca de 13% das estratégias únicas de vida eram perdidas.

As estratégias de vida, especialmente únicas nas espécies com maior risco de extinção, correspondem à forma “como um organismo divide os seus recursos e energia entre a sua sobrevivência, reprodução e crescimento”, diferindo entre espécies os sectores onde escolhem gastar mais e menos do seu esforço, explica a investigadora de ecologia e conservação. Assim, algumas espécies podem apostar num amadurecimento mais rápido e em produzir muitas ninhadas, enquanto outras amadurecem de forma mais lenta, com menos ninhadas, o que pode estender a sua esperança de vida.

Ter tartarugas como animal de estimação não é boa ideia

No comunicado de imprensa em que é apresentado o estudo, os autores expressam uma posição intransigente relativamente ao comércio destas espécies. Afirmam que “as pessoas que estão preocupadas com o desaparecimento de tartarugas e crocodilos devem evitar comprar produtos feitos a partir deles [produtos de pele de crocodilo] e, em concreto com as tartarugas, não devem considerá-las animais de estimação”.

Ponderar ter tartarugas e crocodilos como animais de estimação não é “uma questão simples”, avisa Grace. No entanto, apresenta alguns pontos que justificam que ter um destes animais como companheiro doméstico “não é uma boa ideia”. “Se a espécie estiver a ser importada de um país longínquo é possível que não seja nativa no país que habita. Se o animal for libertado ou fugir, pode causar impactos negativos ao ecossistema local”, adverte a bióloga.

Outro problema colocado por Grace foi o facto de, “quanto mais rara ou ameaçada for a espécie, mais valor tem para os coleccionadores, o que pode fomentar uma remoção insustentável dos animais do seu habitat, levando mesmo à extinção”. Adverte também para o facto de os répteis precisarem de condições e cuidados muito diferentes dos mamíferos. E, “se a pessoa que comprar o animal não tiver noção das necessidades das suas espécies, o animal pode sofrer”, conclui.

E a pele de crocodilo?

Molly Grace (que trabalha no Departamento de Biologia da Universidade de Oxford) apresenta também uma outra perspectiva perante a comercialização de peles de crocodilos. A ideia apresentada pela investigadora remete para uma peça publicada no blogue da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) em Março de 2019.

Os autores do artigo, intitulado É a proibição de couro exótico má para os répteis?, afirmam existirem “amplas provas científicas que indicam que a proibição da venda de animais selvagens retira o valor da biodiversidade e, por sua vez, fomenta o comércio ilegal e prejudica os incentivos locais para proteger as populações de animais”. Acrescentam ainda que “o comércio de peles de répteis é na sua maioria legal, sustentável e verificável” e que, “em muitos países, as pessoas toleram e conservam animais perigosos – tais como crocodilos e pitões – e os seus habitat, porque os rendimentos derivados do uso compensam os custos de viver com eles”.

Dependendo da função que desempenham, o desaparecimento de uma espécie pode desencadear uma série de impactos no seu ecossistema. A investigadora enumera o exemplo do aligátor-americano, que “escava depressões em zonas húmidas, e quando as zonas secam no Verão, estes lagos mantêm a água preservada, proporcionando um refúgio para peixes e invertebrados aquáticos”. Assim, a extinção deste réptil repercutia-se também no habitat de outros animais do seu ecossistema.

As consequências antropogénicas, tais como as perdas de habitat, as alterações climáticas, a poluição, as pescas ilegais e o comércio não sustentável de vida selvagem, acentuaram a extinção das espécies.

Segundo o artigo publicado na Nature, cerca de metade das espécies de tartarugas e crocodilos está classificada como globalmente ameaçada pela IUCN. Por isso, “é urgentemente necessário um maior entendimento e saber que espécies são as mais ameaçadas, e porquê, para fazer esforços informados sobre como salvá-los”, dizem no comunicado de imprensa sobre o artigo.

Os investigadores apelam à protecção destas espécies em risco com modos de vida únicas, não só para evitar o seu desaparecimento, como para garantir o funcionamento dos seus habitat.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva

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