CP paga três vezes menos que suíços para renovar carruagens usadas

Renovação das carruagens espanholas custa à CP três vezes menos do que aos suíços.

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Fábrica de Guifões é peça chave na estratégia da CP Paulo Pimenta

A contrastar com os 130 mil euros gastos pela CP para renovar carruagens espanholas compradas em segunda mão, estão os 440 mil euros gastos pelos FCC (Caminhos de Ferro suíços) para renovar carruagens usadas que também datam dos anos 80 do século passado.

A informação é da insuspeita Railway Gazette, uma revista especializada que dá nota que os CFF iniciaram um programa de modernização da sua frota de carruagens que vai custar 90 milhões de francos suíços (90 milhões de euros). Das 203 carruagens EW IV (similares às carruagens Corail da CP em serviço nos Intercidades da linha do Norte), 93 foram adjudicadas à DB (Deutsche Bahn) e 15 à empresa suíça Josef Meyer Rail AG. As restantes 95 serão renovadas internamente nas próprias oficinas dos CFF.

Por um preço médio de 440 mil euros, os suíços contam dar uma nova vida a estes veículos preparando-os para durarem até aos 30 anos. Os preços são, claramente, europeus, visto que a CP está a colocar em serviço, como novas, carruagens espanholas com idêntica idade a um custo de 150 mil euros por unidade.

Por cada veículo destes, a transportadora pública pagou à Renfe 30 mil euros, pelo que cada carruagem fica a 180 mil. Se fossem novas, custariam, no mínimo um milhão de euros.

Esta quarta-feira, numa audição parlamentar, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, puxou destes números para contrariar o deputado do Chega, Filipe Melo, que acusou o Governo de ter feito um “negócio ruinoso” ao comprar “sucata” a Espanha. Doze dessas carruagens já estão renovadas e circulam na linha do Minho, sendo reconhecidamente das mais confortáveis da CP (o que não é difícil numa frota muito envelhecida).

E como é que a CP consegue na discreta oficina de Guifões fazer um trabalho que suíços e alemães fazem prelo triplo do preço? Para começar, a mão-de-obra destes últimos é também três vezes mais cara. Uma das dificuldades da CP nas suas oficinas é conseguir reter pessoal que, depois de receber formação e ganhar alguma experiência, acaba por mudar de emprego devido aos magros salários. Sem autonomia de gestão, a administração da empresa não está autorizada pela tutela financeira a valorizar a sua mão-de-obra.

Mas há outra razão de igual importância e que tem a ver com a estratégia de apostar no mercado nacional para comprar peças em vez de as importar das multinacionais da indústria ferroviária. Em alguns casos os preços chegam a ser três a quatro vez mais baratos, como é o caso dos conversores de tensão, adquiridos a uma empresa portuguesa. Os estofos destas carruagens são também integralmente “made in Portugal”, neste caso fabricados pela Solfaestofo, uma empresa de Cernache do Bom Jardim que não tinha tradição de produzir para a indústria ferroviária e que, depois do fornecimento à CP, já tem projectos com a vizinha Renfe.

Também as bagageiras, as mesas e as peças em fibra para o interiorismo foram feitas em Portugal, contribuindo para a redução dos custos.

É tudo isto que levou o ministro a defender a ferrovia “como uma maneira de industrializar o país” dada a crescente reaprendizagem que o sector tem feito, não só com a renovação destas carruagens espanholas, como também das carruagens Schindler e Sorefames que estavam encostadas, e das locomotivas diesel da série 1400 e eléctricas da série 2600, que estavam igualmente fora de serviço.

Na audição parlamentar o ministro sucessor de Pedro Nuno Santos e o secretário de Estado das Infraestruturas, Frederico Francisco (que já era assessor do anterior governante), voltaram a referir que o concurso para a compra de 117 novos comboios para a CP é uma oportunidade para capacitar o país com indústria ferroviária pois o caderno de encargos prevê que o fabricante construa, no mínimo, uma linha de montagem em Portugal. João Galamba referiu mesmo que “na pior das hipóteses haverá uma fábrica [de comboios] em Portugal, mas poderá ser muito melhor”.

O concurso dos 117 comboios está numa fase já adiantada e deverá estar decidido até ao primeiro semestre deste ano. Se tudo correr bem, as primeiras unidades serão entregues a partir de 2026.

João Galamba anunciou ainda que o concurso para os 12 comboios de longo curso (que estarão sobretudo afectos à linha de alta velocidade, embora também possam circular nas linhas convencionais) será lançado no fim do ano. Mas tal terá de coincidir com o saneamento financeiro da CP, uma vez que a empresa terá de ir à banca para poder financiar essa operação que será puramente comercial e não está abrangida pelo contrato de serviço público.

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