É como um mantra que assumimos colectivamente: temos de evitar que a temperatura média global do planeta suba mais do que 1,5 graus Celsius acima do que tínhamos antes da Revolução Industrial. Mas nem sempre as coisas se realizam só porque as repetimos muitas vezes, e foi isso que o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) nos disse no relatório do IPCC divulgado esta semana.

As centenas de cientistas que trabalham sob a égide das Nações Unidas avisaram-nos que há ainda entreaberta uma janela de oportunidade para atingirmos esta meta, fixada pelo Acordo de Paris. Acima desse valor, as alterações climáticas podem ser demasiado graves ou irreversíveis. Deram-nos um roteiro para a nossa salvação: para o aquecimento não ser superior a 1,5 graus, é preciso reduzir quase a metade as nossas emissões de gases com efeito de estufa (43%) até 2030, em comparação com os valores de 2019. É um desafio enorme.

Uma mensagem importante do Relatório de Síntese do IPCC, que faz um resumo de todos os relatórios do 6.º Ciclo de Avaliação que foram publicados entre 2018 e 2023, é a de que temos de pagar pelos efeitos que o clima alterado está a ter na vida da Terra – mais e mais intensas tempestades, cheias, secas, por exemplo. E que os países mais ricos têm de ser solidários com os que têm rendimentos mais baixos, e que são também os mais vulneráveis às alterações climáticas.

Além de reduzirem as suas próprias emissões de gases com efeito de estufa, os países desenvolvidos devem não só ajudar os mais pobres a reduzir as suas emissões como a adaptarem-se às consequências das alterações climáticas. Os cientistas falam na necessidade de um desenvolvimento com resiliência climática. "Isto é ter a adaptação e a mitigação integradas, no caminho para o desenvolvimento sustentável", explicou ao PÚBLICO a investigadora Thelma Krug, vice-presidente do IPCC.

É preciso um esforço financeiro sobretudo no financiamento à adaptação. "O relatório diz que a adaptação está verdadeiramente subfinanciada", disse Thelma Krug. "Podia haver ganhos enormes para reduzir o risco climático, principalmente nas regiões e comunidades mais vulneráveis, de baixa renda, as comunidades marginalizadas", disse a cientista brasileira, sublinhando a mensagem do relatório do IPCC.

"Temos um nível alto de confiança nos dados, que mostram que há maiores ganhos de bem-estar social, sobretudo em áreas urbanas, se dermos prioridade a reduzir os riscos climáticos que atingem os indivíduos de rendimentos mais baixos ou marginalizados", frisou o cientista do IPCC Christopher Trisos, na conferência de imprensa de apresentação do relatório, em resposta a uma pergunta do PÚBLICO.

Se na Cimeira do Clima das Nações Unidas do ano passado (COP27), em Sharm-El-Sheikh, no Egipto, o tema principal em discussão foi a criação de um fundo de perdas e danos que permita financiar os países mais vulneráveis, quando sofrem catástrofes relacionadas com as alterações climáticas, os cientistas do IPCC apontaram um caminho que vai no mesmo sentido.

Mas, afinal, o que é que (mais) um relatório escrito pode fazer pelo ambiente? O facto de existir uma instituição científica de referência para as alterações climáticas tem feito toda a diferença, para semear e deixar florescer na imaginação global a realidade das mudanças do clima, a consciência da responsabilidade humana nessa mudança, e da necessidade de reduzirmos as nossas emissões e adaptarmos as sociedades aos efeitos das alterações climáticas.

Embora haja o risco de que todas estas mensagens de alerta soem a um pouco mais do mesmo, dito com um sentimento de urgência cada vez maior, porque se aproximam pontos de não retorno climáticos.

Os relatórios produzidos pelos cientistas do IPCC são instrumentos para orientar a acção dos decisores políticos. Em particular, este relatório de síntese será usado pelos governos para a avaliação do caminho feito até agora para tentar cumprir o Acordo de Paris – que será realizada na Cimeira do Clima deste ano (COP28), nos Emirados Árabes Unidos.

Estaremos dispostos a pagar o preço para evitar que a Terra não aqueça mais que 1,5 graus? Se não o fizermos, a temperatura vai subir mais e as consequências das alterações climáticas terão custos maiores, em termos materiais e humanos. A questão é essa: Vamos a contas. O que sai mais caro? Passar dos 1,5ºC ou travar já a fundo para evitar o desastre?