“Rui Nabeiro sempre percebeu que os lucros não existem exclusivamente a nível financeiro”

O escritor que assinou Almoço de Domingo, livro resultante do mergulho nas memórias de vida de Rui Nabeiro, destaca no depoimento ao PÚBLICO a dimensão humana e comunitária do empresário.

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Rui Nabeiro morreu neste domingo aos 91 anos Rui Gaudencio

“Pessoalmente fica a memória de tudo aquilo que recebi dele, o privilégio que foi o contacto que tive com ele, naquele momento da sua vida. Quando o conheci, [Rui Nabeiro] tinha 88, 89 anos e, a partir dessa altura, tive oportunidade de o ir encontrando, de partilhar um pouco das suas experiências, de ver aquilo que ele valorizava, aquilo que queria transmitir aos outros, o que queria deixar como legado.

Num dia como hoje, em que seguramente muito se vai falar dele e muitos elogios lhe vão ser feitos, diria que a dimensão realmente central e mais marcante no que foi este exemplo do Rui Nabeiro é a dimensão humana, comunitária e social. Sabemos, claro, que foi um grande empresário com um percurso de vida extraordinário, que nasceu em 1931 e construiu uma marca, uma empresa bastante grande, mas o que nos faz estar aqui a falar dele e a dar-lhe este destaque não parte exclusivamente dessa dimensão empresarial — se ela existisse sozinha, daria uma notícia muito menor. O que faz a diferença é justamente ter mantido uma série de valores que, infelizmente, são hoje em dia pouco comuns.

Destacaria nele o optimismo e a crença na possibilidade de construirmos alguma coisa melhor, não só nas nossas condições pessoais e imediatas, mas no sentido de deixar um mundo melhor do que aquele que recebemos, e fazê-lo a partir de uma série de valores que, no caso dele, tinham que ver com a pertença a uma região, a uma comunidade, a uma identidade. Tinham que ver com esse amor, porque é disso que se trata, até de uma forma absolutamente literal no que diz respeito à sua família, que sempre integrou em todas as suas acções, mas também em relação àqueles que considerava os seus, que partiam daquele centro em Campo Maior, mas depois se expandiam a todo o país.

O Rui Nabeiro teve uma formação escolar elementar, estudou aqueles quatro anos que, nos anos 1930, já eram para muita gente uma grande coisa. Provavelmente, isso fez com que ele mantivesse uma pureza de olhar em relação a certos temas. É claro que nunca descurou o lado empresarial mais puro e duro as suas empresas tiveram sempre lucro , mas esse nunca foi o único objectivo. Havia sempre uma série de outros elementos que tinha em consideração, o que, por um lado, fez com que, num primeiro momento, não fosse tudo aquilo que podia ser, mas no segundo e terceiro momentos expandiu-se bastante mais. E foi assim, seguramente, porque o Rui Nabeiro sempre percebeu que os lucros não existem exclusivamente a nível financeiro, mas também a outros níveis.

Acredito que teria um orgulho imenso em saber que o recordaremos desta maneira. Ele sempre trabalhou com esse brio pessoal, com essa sua presença, e isso, a meu ver, é um sinal de sabedoria. Tinha essa sabedoria carismática, que muita gente lhe reconhece, e que estava relacionada com os seus valores e com o seu espírito.”

Depoimento recolhido por Mário Lopes

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