Crise bancária e inflação criam novo dilema ao BCE

Entre a vontade de reforçar a luta contra a inflação e o risco de estar a dar combustível a uma nova crise financeira, o BCE decide esta quinta-feira o que fazer às taxas de juro na zona euro.

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Chistine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu EPA/FRIEDEMANN VOGEL

Na cabeça dos responsáveis do Banco Central Europeu, esta quinta-feira, quando se encontrarem em Frankfurt para decidir o que fazer às taxas de juro da zona euro, vai estar inevitavelmente uma reunião do conselho de governadores de há quase 15 anos.

A 3 de Julho de 2008, com o francês Jean-Claude Trichet ao leme da instituição e apesar de os mercados financeiros estarem já a lidar com os problemas do crédito subprime norte-americano, o BCE realizou mais uma subida na sua taxa de juro de referência, colocando-a em 4,25%, o valor mais alto desde 2000. O objectivo era, como agora, o de travar a inflação, que em Junho de 2008 se tinha situado em 4% na zona euro. O problema é que, pouco mais de dois meses depois, o banco norte-americano Lehman Brothers entrou em falência. Nos meses seguintes, toda a economia mundial registou a maior crise desde a Grande Depressão.

Sem surpresa, Trichet e os seus pares foram acusados de errar na forma como conduziram a política monetária antes da crise. Estará agora o BCE, mais uma vez, em risco de passar por um momento igual? Ou será o actual cenário bem diferente do de 2008, não havendo motivos para que o banco central deixe de estar focado na sua principal preocupação, a inflação? Estas são as questões que se colocam à actual presidente da instituição, a também francesa Christine Lagarde, na reunião desta quinta-feira, que acontece numa altura em que se multiplicam, tanto nos EUA como na Europa, os sinais de tensão no sistema financeiro.

Com a falência do Silicon Valley Bank nos EUA na semana passada, a perda de valor da generalidade das acções dos bancos nas bolsas mundiais que se seguiu nos dias seguintes e, esta quarta-feira, o Credit Suisse a ficar a um passo de ter de ser intervencionado, a resposta do BCE irá depender da análise que fizer dos riscos de contágio da crise ao sector bancário da zona euro. E a expectativa para já é, entre a maior parte dos analistas, a de que o BCE não recue e suba as taxas de juro em 0,5 pontos percentuais, passando contudo a ser mais prudente nos sinais que dá relativamente a novas subidas de taxas no futuro.

Antes de o Silicon Valley Bank fazer manchetes nos jornais de todo o mundo, quase ninguém tinha dúvidas. As pistas que Christine Lagarde e outros membros do conselho do BCE iam dando, faziam com que uma subida das taxas de juro de 0,5 pontos percentuais esta quinta-feira fosse dada como inevitável, o que colocaria a taxa de depósito nos 3%, cada vez mais longe dos -0,5% em que se encontrava em Julho do ano passado, quando o banco central começou o actual ciclo de subidas para controlar a inflação.

Para além disso, previa-se, a presidente do BCE iria manter esta quinta-feira um discurso bastante agressivo em relação à inflação, sinalizando novas subidas de taxas nas reuniões seguintes do BCE.

Estas previsões resultavam da ideia de que, dentro do conselho do BCE, embora não houvesse consenso entre todos os seus membros, a posição dominante era claramente a de que a descida da taxa de inflação homóloga registada nos últimos meses não é suficiente para que o BCE possa ficar por aqui na subida de taxas de juro, sendo preciso ir um pouco mais longe. Nos mercados, a expectativa era de que as taxas de juro de depósito poderiam chegar até aos 4% no final deste ano.

Agora, com a tensão a que se assiste no sistema financeiro internacional, um novo elemento entra nesta discussão. E parece evidente que os membros do conselho de governadores do BCE que se têm oposto a uma subida demasiada agressiva das taxas de juro, entre os quais se inclui Mário Centeno, ficaram com mais um argumento para usar.

Afinal de contas, como é evidente no caso do Silicon Valley Bank, os problemas exibidos pelo sector bancário estão a ser agravados pelas subidas das taxas de juro, que não só aumentam o risco de subida do crédito malparado, como afectam a capacidade de obter liquidez dos bancos que detém um volume grande de títulos de dívida pública nos seus balanços.

Numa circunstância deste tipo, moderar o ritmo de subida de taxas ou mesmo travá-la pode ser visto como o comportamento correcto enquanto não for totalmente claro que uma crise de larga escala no sector bancário foi evitada.

No caso dos Estados Unidos, é isso que se espera que a Reserva Federal faça. Vários analistas que antes projectavam uma subida de taxas de juro de 0,25 ou 0,5 pontos percentuais na reunião da próxima semana apontam agora para uma pausa ou mesmo para o fim do ciclo de endurecimento da política monetária nos EUA.

Incerteza sobre contágio

A mudança de expectativas em relação ao que o BCE irá fazer, no entanto, não está a ir tão longe. A diferença é que, até ao momento, não há notícias concretas de bancos da zona euro a entrarem em problemas. As falências nos EUA e, esta quarta-feira, a queda a pique do Credit Suisse em bolsa, fizeram quase todos os bancos perder uma parte significativa da sua capitalização bolsista durante esta semana, mas não há ainda anúncios de necessidade de aumentos de capital ou de medidas de reforço da liquidez.

Isto faz com que, mais do que nos EUA, a decisão de continuar ou não a subir taxas de juro por parte do BCE dependa da sua análise relativamente à capacidade que o sector bancário da zona euro terá para evitar o contágio das crises vividas nos bancos regionais norte-americanos e no Credit Suisse. Esta quarta-feira, ficou a saber-se que o BCE está a pedir aos bancos da zona euro informações sobre os seus graus de exposição às instituições financeiras que entraram em dificuldades.

Nestas circunstâncias, entre os analistas, a grande maioria das previsões continua a apontar para que, neste dilema entre a luta à inflação que quer manter e o medo de estar a dar mais combustível a uma crise financeira em formação, os responsáveis do BCE não recuem na intenção de subir as taxas de juro em 0,5 pontos percentuais esta quinta-feira, mas sejam mais prudentes nos sinais que irão dar relativamente às reuniões futuras.

“Christine Lagarde deve assumir um tom agressivo, mas sem se comprometer esta quinta-feira, assinalando de forma ainda mais clara do que antes que as futuras decisões irão depender dos dados que vierem a ser conhecidos”, antecipa numa nota publicada esta quarta-feira Frederik Ducrozet, economista chefe da gestora de fundos Pictet, destacando que “para além do clima de incerteza, existe um sentimento crescente de desacordo entre os membros do conselho de governadores sobre qual é o nível de taxas de juro que, sendo suficientemente restritivo para arrefecer a procura e a inflação, evita uma muito mais forte contracção do crédito bancário”.

Deste modo, apesar de uma subida de 0,5 pontos nas taxas de juro ser o cenário considerado mais provável para esta quinta-feira, vários indicadores de mercado confirmam que a tensão no sector financeiro já conduziu a uma alteração das estimativas relativamente ao nível mais alto a que as taxas de juro do BCE podem chegar ao longo dos próximos meses e anos. Isso é visto, por exemplo, nos juros da dívida pública dos Estados membros da zona euro: as taxas nos títulos de dívida a dois anos da Alemanha caíram, nos últimos seis dias, mais de 0,8 pontos percentuais. No caso de Portugal, a queda foi de 0,65 pontos.

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