Encobrir com as Jornadas Mundiais da Juventude

As iniciativas de “perdão” para a Igreja que D. José Ornelas anuncia para a Jornada devem ser vistas com o mesmo cinismo que ele apresentou naquela conferência de imprensa.

Menorização, leviandade, cinismo, inconsequência, ausência de clareza e falta de humanidade. Desamor. Se qualquer consultor de comunicação minimamente competente sabe que manifestar ou expressar uma destas primeiras cinco sensações numa conferência pública pode tornar-se “mortal” para um cliente em qualquer área de atividade, não é preciso ser-se mais ou menos católico, ou sequer sê-lo, para pensar o pior daqueles que se têm como mensageiros de Deus quando manifestam as últimas duas. Infelizmente e depois do terramoto que se abateu sobre a Igreja Católica portuguesa nas últimas semanas, D. José Ornelas revelou alguma falta de humanidade e um tremendo desamor pelas vítimas naquela conferência de imprensa. E falhou estrondosamente em termos de sensibilidade comunicacional.

Ao ouvir algumas das suas tiradas cínicas, assaltou-me uma pergunta que não consigo fazer desaparecer: quem é esta gente?

Desconheço se D. José Ornelas está refém da pressão de uma qualquer maioria de bispos, mas há algo que se tornou inequívoco a partir das suas palavras e até das contradições demonstradas: a Igreja resistiu até à última e nunca quis verdadeiramente esta investigação da Comissão Independente liderada por Pedro Strecht. Quem acreditou no contrário nas semanas que antecederam esta conferência de imprensa (não foram poucos), manifestando uma espécie de crença na transformação que relevasse ou atenuasse de alguma forma o que se abatera sobre a instituição, fê-lo por ingenuidade ou excessiva fé numa Igreja portuguesa que não merecia ser depositária desse benefício da dúvida.

Naquelas que foram as posições públicas de alguns do topo da hierarquia nesse mesmo tempo, já estava subentendido o desconforto com a investigação. Pior é constatar como agora serve de desculpa o anonimato das testemunhas para não suspender de imediato os padres no ativo, quando a própria instituição já sabia que era impossível de outro modo. Incorre-se ainda numa linha mais perversa quando, ao agir-se assim, insulta-se o trabalho de especialidade, corajoso, sério e transversalmente elogiado, sugerindo que pessoas como Pedro Strecht e Daniel Sampaio apresentariam esses nomes dos cerca de 100 padres no ativo de forma leviana ou sem sustentação maior do crime e abusos através dos testemunhos. Nada faz sentido e é mau demais.

Com este posicionamento que também sugere a ausência de ação relativa ao encobrimento, é impossível levar a sério o papel da Conferência Episcopal e a nova vida pretendida da igreja portuguesa através da organização da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. As iniciativas de “perdão” para a Igreja que D. José Ornelas anuncie devem ser vistas com o mesmo cinismo que ele apresentou naquela fatídica conferência de imprensa.

Pelo meu lado, resta-me perguntar: quem é esta gente que está na linha da frente na organização da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa? E o Papa Francisco, sabendo de tudo isto e dos pergaminhos “episcopais” portugueses, depois do trabalho da Comissão Independente, continua a abençoá-las da mesma forma? Seja como for e até para os mais católicos, longe de fanatismos, as Jornadas em Lisboa só podem ter deixado de fazer todo e qualquer sentido.

É esse outro dos sinais maiores dados pela maioria dos bispos portugueses na semana passada.

Ámen.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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