Tribunal reverte cortes salariais a trabalhadores da Carris que foram a um plenário

Foi descontado a alguns dos motoristas e guarda-freios da empresa de transportes o valor relativo ao tempo da reunião no seu salário. Tribunal da Relação de Lisboa ordena reversão da medida.

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Tribunal da Relação consagra direito à participação em plenários não relacionados com greves Diego Nery

No final da manhã e início de tarde de 27 de Janeiro de 2022, um grupo de 133 trabalhadores da Carris participou num plenário convocado pelo Sindicato Nacional dos Motoristas (SNM), para informá-los dos andamento do processo negocial com a empresa sobre a actualização das tabelas salariais. Por causa disso, a companhia de transportes decidiu descontar na folha salarial de 40 funcionários a fracção de tempo correspondente à sua participação no plenário, por se tratar de tripulantes, logo essenciais ao funcionamento dos serviços. O Tribunal da Relação de Lisboa veio agora dar razão aos trabalhadores e ordenar que se lhes paguem os valores indevidamente descontados.

“É uma boa notícia. O tribunal cumpriu o que está na lei. O plenário preencheu todos os requisitos legais. A Carris não pode viver num mundo paralelo, tem de respeitar a legislação”, diz ao PÚBLICO o presidente do SNM, salientando o carácter pioneiro desta convocatória, à qual aderiu também o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP). A empresa de transportes, que já havia perdido na primeira instância, fica assim impedida de recorrer desta sentença.

É que foi a primeira vez, salienta Manuel Oliveira, que os sindicatos convocaram na Carris um plenário de trabalhadores “desta maneira”, isto é, que não estivesse associado a uma pré-convocatória de uma greve. “A convocação de uma reunião geral de trabalhadores é uma prorrogativa que temos, está no Código do Trabalho. A lei concede-nos essa possibilidade. Mas, durante décadas, estava instalada a prática de apenas convocar plenários em casos de greve. Entendi que esse tempo já era passado”, afirma o sindicalista, aludindo ao direito que lhes é concedido pelo artigo 420 do referido código.

Em causa está a participação de motoristas e guarda-freios da Carris naquela reunião, que decorreu entre as 10h e as 15h. Para a empresa de transportes detida pela Câmara Municipal de Lisboa, esse era um direito que lhes estaria vedado, dada a especificidade das suas funções. Isto porque o que estaria em causa naquele dia era o que a companhia considera ser um serviço de “natureza urgente e essencial, decorrente do serviço público de transporte de passageiros”. Dos 133 participantes no plenário, 124 tinham essas funções.

A Carris argumentava que os plenários podem ser realizados em diversos horários, mas nunca colocando em causa o serviço urgente e essencial que presta, pois os plenários são reuniões gerais para esclarecimento dos trabalhadores. E, por isso, informou os trabalhadores, na véspera da reunião, através de um comunicado interno enviado por email, dando conta de que respeitava integralmente o direito à reunião de trabalhadores, mas informando-os de seguida de que esse direito estaria vedado a todos aqueles considerados como essenciais à prestação do serviço público.

Dos 124 tripulantes presentes na reunião, 40 retomaram o serviço após o plenário, tendo-lhes sido descontado no vencimento a fracção correspondente à ausência. Dos restantes nove trabalhadores que participaram no plenário e a quem não foi considerado como falta injustificada, nem descontado o vencimento, três ainda detêm a categoria de motorista de serviço público, mas encontram-se inaptos em termos definitivos para a actividade de motorista e em processo de reconversão profissional, e os outros seis não têm categoria nem de motorista nem de guarda-freio, não sendo tripulantes.

Os juízes da relação rechaçam os argumentos da Carris de que os motoristas e guarda-freios desempenham funções de natureza “urgente e essencial”. “A verdade, porém, é que deste modo a recorrente faz equivaler essencial a urgente, as quais, porém, de acordo com o disposto no art.º 420.º do CT, correspondem a noções distintas. Na realidade, não se vislumbra a existência de qualquer urgência nas actividades em causa, não obstante a sua essencialidade, que resulta da lei e é bem diferente”, alegam.

Questionada pelo PÚBLICO, a Carris diz que "cumpre sempre e integralmente as decisões judiciais". "Adicionalmente, não comenta o teor das mesmas, ainda mais tratando-se de uma decisão da anterior equipa da gestão", acrescenta.

Notícia actualizada às 18h10 com a resposta da Carris.

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