Livros de 007 revistos para tirar referências consideradas racistas e “ofensivas”

Editora inglesa da saga de Ian Fleming que criou o agente secreto mais célebre da ficção anuncia adaptação da obra. Edições revistas chegam às livrarias britânicas em Abril.

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Cena da adaptação cinematográfica de 007 - Vive e Deixa Morrer, cujo livro sofreu adaptações autorizadas pelo próprio Ian Fleming DR

Uma semana depois de ter sido anunciada a revisão dos livros de Roald Dahl, chega a vez da saga que tem como protagonista o agente secreto mais famoso do cinema, James Bond.

Tendo por pretexto o 70.º aniversário do primeiro livro de 007, Casino Royale, a empresa que detém os direitos das obras literárias que estão na origem dos filmes, a Ian Fleming Publications, resolveu submetê-las à apreciação de uma comissão de leitores independente e chegou à conclusão de que há nelas alusões raciais e palavras que podem ser consideradas ofensivas. Resultado? Nas novas edições, que deverão chegar às livrarias britânicas em Abril, James Bond já não dirá, por exemplo, “negro” como sinónimo de “pessoa negra”, noticiou este fim-de-semana o jornal britânico Sunday Telegraph.

Na maioria dos casos, a palavra “negro” será substituída precisamente por “pessoa negra” ou “homem negro”, sendo outras referências raciais ignoradas noutras passagens.

Os criminosos que fogem de Bond em Dr. No tornam-se simplesmente “gangsters”. No mesmo romance, a raça de um médico e de um oficial de imigração deixa de ser mencionada, assim como a etnia de um barman em 007 – Operação Relâmpago, exemplifica o Telegraph.

Como consequência do trabalho desta comissão, as novas edições passarão também a contar com uma advertência destinada a preparar os novos leitores para o universo dos romances de espionagem de Ian Fleming, carregados de elementos e situações que poderão causar desconforto às gerações mais novas, precisa a agência de notícias EFE.

“Este livro foi escrito numa época em que termos e atitudes que poderão ser considerados ofensivos pelos leitores modernos eram comuns”, pode ler-se na referida nota. “Foi feita nesta edição uma série de actualizações, mantendo o texto o mais próximo possível do original e do período em que decorre a acção.”

Diferentes versões, diferentes mercados

Não é a primeira vez que a linguagem dos livros de Fleming é revista, e muito menos uma estreia para o autor no que toca a críticas sobre a forma como o agente ao serviço de sua majestade trata as mulheres ou a elas se refere, remetendo-as muitas vezes a papéis sociais subalternos ou tratando-as apenas como objectos de desejo.

Talvez por isso seja de estranhar que, neste ímpeto de adaptação da saga a audiências com outra sensibilidade a questões relacionadas com a raça ou a identidade sexual, referências “ao doce sabor da violação”, a “mulheres levianas” que fracassam na hora de fazer “o trabalho de um homem” e à homossexualidade como uma “deficiência teimosa” permaneçam inalteradas.

No passado, lembra ainda o jornal britânico, os livros de Fleming sofreram alterações para melhor se adequarem aos leitores em determinados mercados. Foi assim que algumas das cenas de sexo que escreveu foram “suavizadas” para melhor se adaptarem ao público americano, contextualiza agora a Ian Fleming Publications, acrescentando que o autor, que morreu em 1964, deu o seu aval a estas adaptações.

Fleming autorizou ainda os editores americanos a atenuarem o tom das referências raciais em 007 - Vive e Deixa Morrer.

Audiências contemporâneas

O anúncio da revisão dos livros de 007 chega no meio de um intenso debate sobre a eliminação de palavras como “gordo” ou “doido” dos clássicos da literatura infanto-juvenil escritos pelo britânico Roald Dahl (1916-1990).

A editora do autor de Charlie e a Fábrica de Chocolate ou James e o Pêssego Gigante anunciou estar a reescrever passagens dos livros para os adaptar às audiências contemporâneas, mais sensíveis a determinada adjectivação quando relacionada com a descrição de personagens ou com a saúde mental.

O debate, que já recebeu contributos do primeiro-ministro britânico, em total desacordo com a opção da editora, e de autores como Salman Rushdie, que considerou o plano da Puffin Books um “acto de censura”, parece ter-se instalado para ficar.

Embora haja quem defenda as alterações, aqueles que são contra e que vêem nelas um atentado à liberdade de expressão e de criação, contam agora com uma vitória. Na sexta-feira, a Puffin anunciou que, além das edições revistas, vai relançar toda a obra de Roald Dahl no original, para que os leitores possam escolher que versão querem ter na estante.

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