África e a sua diáspora no epicentro da Bienal de Arquitectura de Veneza

“Se há um lugar neste planeta onde todas as questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se juntam, é África”, justificou a curadora desta 18.ª edição, a arquitecta Lesley Lokko.

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A arquitecta Lesley Lokko, curadora da 18.ª Bienal de Arquitectura de Veneza drANDREA MEROLA/EPA

"Descolonização e descarbonização" são dois temas sobre os quais se estrutura a 18.ª Exposição Internacional de Arquitectura – Bienal de Veneza, que decorrerá de 20 de Maio a 26 de Novembro, com África como epicentro e O Laboratório do Futuro por lema, disse esta terça-feira o presidente da Bienal, Roberto Cicutto, na apresentação da mostra.

Com representações oficiais de 63 países, sendo Portugal e Brasil os únicos lusófonos presentes, a Bienal conta ainda com 89 participantes nas exposições e nos projectos especiais de O Laboratório do Futuro, na maioria de África e da diáspora africana, entre os quais o Banga Colectivo, gabinete de arquitectura de Luanda e Lisboa, e o estúdio brasileiro Cartografia Negra.

"Esta será a primeira [edição] a experimentar no terreno um caminho para alcançar a neutralidade carbónica, ao ponto de a exposição se estruturar em trono dos temas da descolonização e descarbonização", disse Roberto Cicutto em Veneza.

A curadora desta edição, Lesley Lokko, arquitecta de origem ganesa, nascida na Escócia, reforçou a amplitude de temas a serem abordados numa edição que quer ser um "laboratório do futuro", com o continente africano como "protagonista", porque, "se há um lugar neste planeta onde todas as questões de equidade, raça, esperança e medo convergem e se juntam, é África".

Quando assumiu a curadoria e apresentou o tema desta edição, no início do ano passado, ficou desde logo claro que O Laboratório do Futuro representaria a mudança, afirmou agora Lesley Lokko, recordando como a montagem da mostra impôs o debate "sobre recursos, direitos e riscos".

"Os holofotes caíram sobre África e a diáspora africana, aquela cultura fluida e emaranhada de descendentes que se espalha pelo globo. O que queremos dizer? Como mudará alguma coisa aquilo que dizemos? Como irá interagir e influenciar o que outros dizem?", questionou a curadora.

"Costuma dizer-se que a cultura é a soma total das histórias que contamos a nós mesmos, sobre nós mesmos. Embora seja verdade, o que falta na declaração é qualquer reconhecimento" de que "o alcance e poder" da "voz dominante [...] ignoram grandes áreas da humanidade, a nível financeiro, colectivo e conceptual", afirmou ainda Lokko, para sublinhar que "é neste contexto que as exposições [da Bienal] importam".

Para a curadora, o objectivo é que esta edição não traduza uma história única e se revele "um caleidoscópio deslumbrante e conflituoso de ideias, contextos, aspirações e significados".

O Laboratório do Futuro é composto por seis exposições, divididas entre os temas Força Maior e Ligações Perigosas. Os projectos do primeiro vão concentrar-se no Pavilhão Central, privilegiando arquitectos africanos ou da diáspora, como Diébédo Francis Kéré, do Burkina Faso, Kabage Karanja, do Quénia, David Adjaye, da Tanzânia, Guillaume Koffi, da Costa do Marfim, ou Christian Benimana, do Ruanda.

O Arsenal, outra das principais áreas da Bienal, acolherá "ligações perigosas" da arquitectura a outras disciplinas, através de profissionais dos cinco continentes, como Serge Attukwei Clottey, do Gana, Paulo Tavares e Glória Cabral, do Brasil, o francês Léopold Lambert, do projecto Funambuliste, aos quais se juntam, em "participação especial", o cineasta e arquitecto israelita Amos Gitai, o fotógrafo James Morris, do País de Gales, e o "poeta da arquitectura" LionHeartfelt, de Londres.

Os "projectos especiais" da curadora, que abordam temas que vão da alimentação, agricultura e alterações climáticas até questões de género, geografia e memória, contam com 30 participantes, como o gabinete Black Females in Architecture, de Londres, e Cartografia Negra, do Brasil, além do Banga Colectivo, incluído nos "Convidados do Futuro", dedicados aos valores emergentes.

A colaboração da Bienal com o Museu Victoria & Albert de Londres traduzir-se-á na exposição Modernismo Tropical: Arquitectura e Poder na África Ocidental, atravessando símbolos do passado colonial e testemunhando em simultâneo a ruptura com esse passado, disse o director do museu britânico, Tristram Hunt, na apresentação desta terça-feira.

A representação oficial portuguesa, apresentada na semana passada, é feita pelo projecto Fertile Futures, com curadoria de Andreia Garcia, que aborda a escassez de água doce e a busca de soluções para a gestão sustentada de recursos hídricos com base em sete casos nacionais: "o impacto da Gigabateria na bacia do Tâmega; a quebra da convenção no Douro Internacional; a extracção mineira no Médio Tejo; a imposição de interesses na Albufeira do Alqueva; a anarquia no perímetro de rega do Rio Mira; a sobrecarga das lagoas na Lagoa das Sete Cidades e o risco de aluviões nas ribeiras madeirenses".

A pré-abertura da 18.ª Bienal de Arquitectura de Veneza acontecerá nos dias 18 e 19 de Maio, e a entrega dos prémios às representações nacionais será feita na abertura, a 20 de Maio.

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