Depois da lentidão no socorro às vítimas do sismo, Turquia acelera na detenção de empreiteiros

Cerca de uma centena de pessoas foram detidas no fim-de-semana e há muitos mandados ainda pendentes.

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Um edifício destruído em Adana EMILIE MADI/Reuters

Na segunda-feira da semana passada, enquanto as equipas de resgate tentavam descobrir sobreviventes dos violentos sismos entre os escombros, Hasan Alpargün empenhava-se também na sua sobrevivência, mas de outra forma. O construtor e promotor imobiliário de Adana voou nessa mesma manhã para a zona turca de Nicósia, em Chipre, comprou lá um apartamento e transferiu 990 mil dólares, 890 mil euros e 500 mil liras turcas para diferentes contas.

Alpargün foi detido em Nicósia no domingo e logo transferido para a Turquia, onde enfrenta a acusação de “homicídio por negligência”. O prédio de 14 andares que o empreiteiro construiu no centro de Adana ruiu completamente na sequência dos sismos que abalaram o Sul do país e o Norte da Síria – e pelo menos 100 dos seus habitantes morreram.

Este não foi o único construtor e promotor imobiliário detido pelas autoridades turcas durante o fim-de-semana. Mehmet Yasar Coskun, responsável pela construção, há dez anos, de um edifício com 250 apartamentos no centro de Antáquia, foi detido no aeroporto de Istambul quando se preparava para embarcar para Montenegro. Yavuz Karakus, promotor imobiliário de Adiyaman, foi apanhado pela polícia no mesmo aeroporto a caminho da Geórgia.

Depois das críticas à lentidão na resposta à emergência, Ancara procura dar uma resposta firme à constatação de que a (má) qualidade das construções contribuiu para um desfecho dos terramotos tão trágico: neste momento, mais de 31 mil mortos do lado turco. O Ministério da Justiça ordenou aos procuradores das dez regiões mais afectadas que criem departamentos de investigação específicos, pelo menos 130 inquéritos judiciais foram já abertos e há cerca de 100 detidos. Mas esperam-se mais detenções nos próximos dias, uma vez que foram lançados muitos mandados de captura ainda não cumpridos.

A robustez na resposta do Governo alarga-se ao campo comunicacional: a detenção de Alpargün, por exemplo, com as mãos atrás das costas e cabeça vergada por dois agentes que o conduziam a um carro, foi filmada em directo.

As suspeitas que recaem sobre estes empreiteiros e promotores é de que não respeitaram as leis estritas sobre construção anti-sísmica que vigoram na Turquia desde o grande terramoto de 1999, em Izmit, que provocou cerca de 18 mil mortos. Segundo o Le Monde, depois desse sismo passaram seis meses até que alguém fosse detido. Na altura foram abertos 2100 inquéritos judiciais, mas a grande maioria dos suspeitos foi amnistiada e muitos casos prescreveram.

Os empreiteiros agora detidos que já prestaram declarações afirmam-se inocentes, argumentando que obtiveram “todas as autorizações” necessárias dos poderes públicos. Um antigo autarca de Ekinciler, na região de Hatay, que emitiu a licença de construção para o edifício de Mehmet Yasar Coskun, alega que “o controlo foi feito por uma empresa privada” e que, fosse como fosse, a autarquia não tinha recursos humanos suficientes para fiscalizar.

“Nós fazemos boas leis, mas não as implementamos. É o nosso maior problema”, desabafou ao The New York Times um dirigente da Câmara de Engenheiros e Arquitectos Turcos, Pelin Giritlioglu, acrescentando: “Levamos os nossos carros à inspecção a cada dois anos para garantir que são seguros, mas depois de construirmos os nossos edifícios, cortam-se colunas e fazem-se reabilitações sem que se consulte um engenheiro.”

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