Morreu o “metalúrgico da moda”: Paco Rabanne tinha 88 anos

Em Espanha, em 2000, o criador basco foi distinguido com a Medalha de Ouro em Belas-Artes; e, em 2010, com o Prémio Nacional de Moda. Em França, era membro da Legião de Honra Francesa, desde 1989.

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Paco Rabanne era de origem basca e foi um dos aprendizes de Cristóbal Balenciaga Carlos Alvarez/Getty Images
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O afastamento de Paco Rabanne da moda deveu-se também à sua crença na astrologia Philippe Wojazer/Reuters/Arquivo
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Paco Rabanne despede-se do público na apresentação da sua última colecção de alta-costura, em 1999 Eric Gaillard/Reuters/Arquivo
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Paco Rabanne, em 2004, na apresentação da colecção de pronto-a-vestir Charles Platiau/Reuters/Arquivo

O criador e perfumista Francisco Rabaneda y Cuervo, mais conhecido como “Paco Rabanne”, morreu aos 88 anos, confirmou o presidente da câmara de Vannes, David Robo, e o grupo espanhol Puig que controla a marca. Morreu na sua casa em Portstall (Finistère), na Bretanha, em França, avança o jornal Le Télégramme, citado pela Paris Match.

Rabanne terá morrido nesta sexta-feira. O criador era dos últimos membros do “grupo de designers especiais”, constituído por nomes como Pierre Cardin, André Courrèges ou Thierry Mugler, refere o espanhol Le Razon. Nos anos 1960, Paco Rabanne distinguiu-se pelo uso de novos materiais e contribuiu para abrir a moda ao mundo pop, lembra o sobrinho-neto Daniel Rabaneda, ao mesmo jornal, numa notícia de 2021: “Há marcas que são fundamentais para o vestuário, mas Paco foi mais do que isso.”

​“Entre as figuras de referência da moda do século, o seu legado continuará a ser uma fonte constante de inspiração. Estamos gratos ao Monsieur Rabanne por ter sido o fundador da nossa herança avant-garde e definir um futuro de possibilidades ilimitadas”, pode ler-se na página oficial de Instagram da Paco Rabanne.

De origem basca, nascido a 18 de Fevereiro de 1934, Paco Rabanne era filho de um general andaluz, Francisco Rabaneda Postigo, que morreu três anos depois do nascimento de Paco. A mãe, de origem basca, foi militante e membro da direcção do Partido Comunista espanhol, motivo suficiente para a família se refugiar em Finistère, em França, em 1939, fugida do regime franquista, em Espanha, refere o El País.

A mãe de Paco terá trabalhado no atelierê de Cristóbal Balenciaga (1895-1972), em San Sebastían, como costureira, continua o El País. Foi isso que terá atraído Paco para a moda, depois de ter estudado Arquitectura na Escola Superior de Belas-Artes, em Paris. Chegou a colaborar com a Dior, a Givenchy e mesmo a Balenciaga, antes de se lançar em nome próprio.

Em Paris, inaugurou a marca epónima e apresentou a primeira colecção em 1966. Três anos depois lança a primeira fragrância com a sua etiqueta, chama-se “Calandre”, para mulher, que continua a ser vendida e é definida no site da marca como “um perfume fresco, metálico, sedutor, provocante e icónico”. Começou a afastar-se da marca em 1999, primeiro da alta-costura, depois, pouco a pouco, do pronto-a-vestir. Este é um processo comum a muitos criadores – por exemplo, no final do ano passado, Tom Ford anunciou que deixaria o projecto em nome próprio durante 2023 e vendeu a marca ao grupo Estée Lauder. Em 2020, Jean Paul Gaultier também se despediu das passerelles. Já Thierry Mugler abandonou a marca epónima em 2002, 20 anos antes de morrer.

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Paco Rabanne prova o vestido da sua modelo, em Outubro de 1989 Charles Platiau/Reuters/Arquivo

Vestidos vindos do espaço

Paco Rabanne tornou-se conhecido nos anos 60, pela sua excentricidade devido à roupa que desenhava e que parecia vinda do espaço, lembra o site especialista Women’s Wear Daily (WWD). A primeira colecção do espanhol, intitulada “12 vestidos não usáveis em materiais contemporâneos”, foi apresentada em 1966 e a matéria-prima eleita foi o plástico. A inovação foi tal que o jovem ficou nas bocas da imprensa parisiense e começou, de imediato, um percurso de sucesso.

O plástico não seria o único material inovador a marcar a assinatura do criador, definida pela experimentação. Metal, papel, botões e pêlo serviram para as criações que vestiriam personalidades como Mia Farrow, Audrey Hepburn e Jane Fonda. E até o chocolate serviu como matéria-prima. As criações metálicas de Paco Rabanne foram usadas em filmes de ficção científica, como Barbarella (1968), protagonizado por Jane Fonda.

“Uma grande personalidade na moda, tinha uma visão ousada, revolucionária e provocadora, transmitida através de uma estética única”, declarou Marc Puig, presidente e director executivo da Puig, o grupo que adquiriu a marca do designer, citado pelo WWD.

Embora fosse considerado um excêntrico pela indústria, Paco Rabanne tinha outra visão de si mesmo. “Sou um dos criadores mais clássicos da moda. Saint Laurent, Balenciaga, Givenchy e Cardin são barrocos”, disse, em entrevista ao WWD.

Todavia, pelos materiais futurísticos e escolhas peculiares de design, ficará eternizado com um dos criadores mais visionários. Aliás, o carácter visionário e rebelde das suas peças geométricas metálicas levaram Coco Chanel a apelidar Rabanne de “metalúrgico da moda”, diz o El Mundo.

Recorda a edição espanhola da Vogue que, antes de se lançar a solo, foi com a mãe que Paco Rabanne teve o primeiro negócio: vendiam botões e bordados para as casas de moda parisienses. A mãe não achava piada aos designs futurísticos do filho e terá dito: “Filho, não tens o direito de estragar a beleza de uma mulher.”

Perfumes e astrologia

Em Espanha, em 2000, Paco Rabanne foi distinguido com a Medalha de Ouro em Belas -Artes; e, em 2010, com o Prémio Nacional de Moda. Já em França, onde criou nome e se fixou, era membro da Legião de Honra Francesa desde 1989.

“Nem toda a gente pode ser uma estrela. Têm de saber ser inteligentes. O principal é falar sobre nós e sabermos diferenciar-nos dos outros. Nunca copiem”, aconselhou, em 2010, aos alunos do Colégio La Croix-Rouge, em Brest, cita o Le Télégramme.

​No campo pessoal, Rabanne estava muito envolvido na astrologia e chegou mesmo a descrever-se como “um bocadinho médium, clarividente”. Em 1975, num encontro com várias celebridades e amigos, cita o WWD, terá anunciado: “Sempre acreditei em magia, desde que tinha 8 anos. Sou Aquário, mas é por isso que estou na Terra, para prever a Terceira Guerra Mundial.”

​Paco Rabanne insistia que as previsões do astrólogo Nostradamus, feitas no século XVI, eram verdadeiras. Se assim fosse, Paris seria destruída por um incêndio a 11 de Agosto de 1999. Por isso, nesse dia, Rabanne ordenou que o atelier e as suas lojas na capital francesa fossem encerradas. Esse terá sido também um dos motivos por que o criador se começou a afastar da moda nesse ano.

​Essa influência mística influenciou a assinatura de Rabanne, sobretudo no que toca ao trabalho com as fragrâncias. Quando lançou o perfume de sucesso Black XS, Paco disse à imprensa que tinha incluído entre os ingredientes uma poção mágica e assegurou que a receita tinha sido inspirada por um encontro com um fantasma. Poção mágica, ou não, certo é que a fragrância havia de atingir o sucesso e continua a ser uma campeã de vendas.

Desde a sua reforma, em 1999, que o designer deixou de ser visto em público, vivendo uma vida recatada na Bretanha. As últimas vezes que Paco Rabanne terá surgido em público foi em 2014, quando o grupo Puig celebrou um século. A marca do criador basco foi adquirida pelo grupo de luxo espanhol, radicado em Barcelona, em 1986 É detentor de outros nomes, como Nina Ricci, Carolina Herrera e Jean Paul Gaultier.

​A união do criador à Puig terá começado quando Antonio e Mariano Puig visitaram o atelier de Paco Rabanne em Paris, próximo do cabaré Folies Bergère. O acordo terá sido espoletado sobretudo pela qualidade das fragrâncias da marca, que eram grande parte do lucro, graças a nomes como 1 Million ou Paco Rabanne Pour Homme.

​O mais recente perfume, Fame, lançado o ano passado, é uma homenagem a Paco Rabanne, com um frasco feminino em forma de robô que se veste com uma malha metálica, como aquelas que o criador assinou nos idos anos 1960. O presidente da divisão de beleza e moda da Puig, José Manuel Albesa, define o trabalho do espanhol como “radical e rebelde” e diz ao El Mundo: “Paco Rabanne tornou a transgressão algo de magnético. Quem mais poderia pôr as elegantes parisienses a clamar por vestidos feitos de plástico e metal?”

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O designer indiano Manish Arora, no final de um desfile, em 2011 Reuters

Foi em 2011 que o grupo Puig ressuscitou a divisão de moda e o nome escolhido foi o do designer indiano Manish Arora. Dois anos depois, o francês Julien Dossena, ex-discípulo da era Nicolas Ghesquière na Balenciaga, e figura popular na cena parisiense, passou a dirigir a casa de moda. “Quando penso em Paco Rabanne, não penso em retro — penso em revolução, rebelião e renascimento”, disse Dossena, por ocasião da sua nomeação, pode ler-se no site do grupo Puig. A casa de moda apresenta as suas colecções em Paris.

“Estou profundamente entristecido com a morte do senhor Paco Rabanne”, disse Marc Puig, presidente e director executivo da Puig, citado pelo WWD. “Continuará a ser uma importante fonte de inspiração para as equipas de moda e perfumaria da Puig, que trabalham continuamente em conjunto para expressar os códigos radicalmente modernos do senhor Paco Rabanne. Dirijo as minhas sinceras condolências à sua família e a todos aqueles que o conheceram”, termina Puig.

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