E de repente, após semanas de divisão entre os aliados, de muita relutância de Berlim e dos avisos russos sobre uma escalada da guerra, a Alemanha anunciou na terça-feira o envio de tanques Leopard 2 para a Ucrânia, autorizando outros países europeus a enviar também estes veículos de combate de fabrico germânico. No dia seguinte, os Estados Unidos aprovaram o envio de 31 M1 Abrams. Kiev passa a contar com os tão desejados tanques pesados ocidentais, e não apenas com os veículos de infantaria prometidos e anunciados nos últimos meses, como os AMX-10RC franceses, os Marder germânicos e os Bradley americanos.

O que é, e o que não é, um tanque de guerra?

Aquilo a que o comum dos mortais poderá chamar "tanque de guerra" pode não sê-lo para os especialistas em guerra e armamento. Veja-se o caso dos AMX-10RC. À primeira vista, é aquilo a que os não-especialistas chamam "tanque": um veículo blindado volumoso, com uma grande arma no topo. 

Mas não é bem um tanque. É, quando muito, um "tanque ligeiro", como lhe chamou o Presidente francês Emmanuel Macron, numa tentativa de inflacionar a generosidade francesa, ou um veículo blindado de reconhecimento, ou um "caçador de tanques", como lhe chamaram durante a Guerra Fria, altura em que foi desenvolvido para reagir a uma hipotética invasão soviética. Na verdade, é um veículo de infantaria. O que separa então o AMX-10RC de um tanque "a sério"? O veículo francês tem seis rodas em vez de lagartas, para poder mover-se rapidamente, mas o que o coloca mesmo num patamar abaixo dos tanques de guerra, nomeadamente os russos, é o armamento e a blindagem. 

Um tanque "a sério" seria o Leopard alemão ou o Abrams americano, enquanto o Bradley, o Marder e o AMX pertencem a uma escala abaixo, a dos veículos de combate de infantaria. Os main battle tanks (MBT) como o Leopard e o Abrams, que têm na sua origem o mesmo programa de desenvolvimento germano-americano dos anos 1970, distinguem-se pelo seu peso (cerca de 60 toneladas), dimensão (requerem quatro tripulantes), armamento (uma arma de 120mm e uma metralhadora de 7.62mm) e blindagem (incluindo contra minas anti-tanque) superiores aos rivais russos.

É por isso que os ucranianos insistiram tanto no Leopard, um verdadeiro tanque capaz de conferir uma real vantagem sobre o invasor russo. E é movido a diesel, facilmente disponível, enquanto o Abrams é movido a uma espécie de querosene, o combustível dos aviões, mais caro e menos acessível. O Abrams, enviado directamente dos EUA, tem também a desvantagem de contar com uma menor estrutura de manutenção na Europa.

E com que tanque contam os russos?

Com o T-72. É um tanque a sério, mas é mais compacto que o Leopard alemão, requerendo dois tripulantes. Sendo mais pequeno, é mais fácil de esconder ou camuflar à distância. No entanto, é bastante vulnerável ao fogo inimigo, sobretudo de cima, devido a erros de concepção, e a Rússia já perdeu centenas de unidades desde o início da invasão da Ucrânia, cerca de metade das que tinha.

Os ucranianos lutam com tanques da era soviética: os seus, os que foram cedidos entretanto por aliados do Leste europeu e os que foram capturados aos russos desde o início da actual guerra.

Qual é o ponto da situação no terreno?

É de impasse militar. Pouco mudou no mapa da guerra desde que as forças ucranianas recuperaram a cidade de Kherson aos russos, e os combates concentram-se há várias semanas na zona de Bakhmut, na região de Donetsk. Sem avanço nem recuo no terreno, a Rússia tem bombardeado infraestruturas ucranianas, sobretudo a rede eléctrica. Este impasse não é satisfatório para Kiev, já que, a prazo, a actual linha da frente corre o risco de se tornar numa fronteira permanente. E, num futuro mais imediato, a ameaça é a de uma nova ofensiva russa na Primavera.

Qual é a importância do tanque num cenário de guerra do século XXI?

É maior do que se julgava há pouco tempo, sobretudo no contexto ucraniano, marcado geograficamente por grandes planícies, e nesta fase específica da guerra. 

Sem supremacia aérea e frente a uma sucessão de trincheiras e bunkers, Kiev precisa de mover combatentes e artilharia pesada para reconquistar as cidades perdidas. Cabe aos tanques pesados abrir caminho, eliminar os T-72 russos e cobrir uma distância que os sistemas de rockets americanos HIMARS, que foram decisivos na grande contra-ofensiva ucraniana do Outono, deixaram de cobrir quando as forças russas passaram a afastar-se do seu raio de acção.

É uma circunstância particular, bastante diferente da primeira fase da guerra, quando a "estrela" foi o drone de fabrico turco Bayraktar, crucial para os ucranianos travarem o avanço dos tanques russos que chegaram às portas de Kiev.   

O Leopard, outro tanque, ou outra arma por si só resolvem a guerra?

Não, tanto que a Ucrânia está neste momento a pedir outro tipo de armamento, como caças e mísseis. Um tanque ou qualquer tipo de carro de combate "não existe por si próprio", como alertava na quarta-feira o investigador português António Paulo Duarte. "Faz parte do que se chama operações combinadas, que incluem artilharia, infantaria, carros de combate, transportes de tropas, aviões, drones, uma estrutura muito vasta", dizia o especialista, que chama ainda a atenção para a capacidade de manutenção e de fornecimento de peças para estes tanques. No entanto, a chegada dos Leopard vai permitir reforçar a capacidade militar ucraniana, que neste momento começa a estar esgotada. 

Mas é importante que os Leopard cheguem à Ucrânia em número suficiente: "cem carros de combate não fazem uma ofensiva". Fala-se neste momento de dezenas ou pouco mais de uma centena de tanques a serem enviados para a Ucrânia, quando Kiev pede até 300 tanques, 600 veículos de infantaria e 500 Howitzers, um autêntico veículo-canhão (mas não um tanque...).

Para além do número, será também importante a rapidez com que chegam ao terreno. Prevê-se que os Leopard enviados pelos países europeus demorem até três meses a chegar, por camião, através da Polónia, à linha da frente no Leste ucraniano.

Quantos Leopard tem Portugal?

Portugal conta com 37 Leopard 2 A-16 comprados em segunda mão aos Países Baixos entre 2007 e 2009. Não se sabe quantos destes estão operacionais. Entre os países membros da NATO, também Espanha, Turquia, Finlândia, Grécia, Noruega, Países Baixos, Polónia, Canadá e Dinamarca têm Leopards.

E Portugal vai enviar ou não alguns dos seus Leopard 2 para a Ucrânia?

É uma hipótese em cima da mesa, depois de Berlim ter dado luz verde aos aliados na posse de Leopards para os cederem à Ucrânia (o país fabricante pode vetar o envio do armamento para uma nação terceira, apesar de, neste caso, alguns aliados terem chegado a admitir não esperar pela decisão alemã).

Mas apesar de, inicialmente, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, ter sugerido que Portugal iria enviar Leopards para a Ucrânia, o chefe da diplomacia esclareceu que a decisão ainda não está tomada. Helena Carreiras, ministra da Defesa, prometeu um anúncio para os próximos dias. 

O número de carros enviados poderá ser mais simbólico do que significativo, uma vez que há receios da perda da capacidade blindada portuguesa, já abaixo do desejado.