Habitação menos justa e mais desigual

É necessário que o Estado seja um “facilitador” habitacional, promovendo uma política fiscal justa, equilibrada e competitiva, com reformas sérias e objetivas de arrendamento urbano.

Durante algum tempo, Portugal foi o El Dorado da habitação. O custo era relativamente baixo e atrativo. Hoje, os sinais de alarme surgem todos os dias, e não é possível continuar a assobiar para o lado. Há uma real perceção da degradação das condições de acessibilidade habitacional, seja através do arrendamento ou da aquisição. Hoje, só os custos com a habitação podem sufocar os rendimentos das famílias, e isto devia ser imperativo para os decisores políticos.

O preço das casas sofreu o maior aumento no ano passado desde 1991, e isto, por si só, não seria um problema se o rendimento das famílias acompanhasse este crescimento.

Não vale a pena olharmos para o estado da habitação e pensar que tudo se resolve num ciclo governativo. Assim como não se resolve com os 2,377 mil milhões de euros de reforço ao parque público habitacional atribuído no Programa Nacional de Habitação (PNH), nem tão pouco com 197 milhões de euros à resposta de emergência e 183 milhões de euros a incentivos à oferta privada e social de arrendamento a custos acessíveis.

Os números são redondos e aparentemente atrativos, mas não resolvem a questão basilar. Não são suficientes para cobrir as reais necessidades de um país que atravessa uma grave crise de habitação, quer na hora da compra, quer na hora de arrendamento.

Primeiro, é preciso ter em conta que o mercado imobiliário português é distinto entre regiões, e na maior parte das vezes, estes programas não têm em conta a estrutura demográfica da população, bem como a harmonização dos preços de habitação entre as várias regiões.

A equação é simples, se há mais famílias, vamos precisar de mais habitações. Se a população está mais envelhecida, mais habitação vaga irá existir daqui a uns anos, muitas com necessidades de reabilitação. Sendo assim, as políticas públicas de habitação deverão ser concebidas à escala local, como está, e bem, a ser seguido.

Segundo, nos últimos anos, a habitação nos grandes centros urbanos tem sofrido uma manifesta degradação e deve ser colmatada com um conjunto de políticas públicas.

O mercado de arrendamento está ainda letárgico e não podemos esperar grandes alterações a curto e médio prazo. Sem uma mudança estrutural, as cidades tornam-se menos justas e mais desiguais – tudo o que não se quer.

Terceiro, o sector privado já há muito tempo que dá prioridade à compra e venda em detrimento do arredamento. Isto significa que nos tornamos num país de proprietários, que contrasta com a tendência mundial de liberdade geográfica e desprendimento com a propriedade.

Quarto, quando se revisitam as medidas que pretendiam “obrigar” os proprietários a dar uso às casas e aos prédios devolutos, encontramos uma escalada fiscal que se agrava com as taxas e impostos, sem quaisquer resultados práticos. É preciso que seja promovida uma abrupta normalização do mercado do arrendamento.

Em suma, é necessário que o Estado (central e local) seja um “facilitador” habitacional, promovendo uma política fiscal justa, equilibrada e competitiva, com reformas sérias e objetivas de arrendamento urbano.

Já os municípios têm obrigação de atualizar o património habitacional. Falamos de habitações degradadas, devolutas – e que devem ser objeto de reabilitação –, bem como de terrenos que não têm ainda construção e onde se pode construir. É necessário um “agile habitação”, que simplifique processos de licenciamento – de forma procedimental e económica, por ação pública de influência proativa nas opções urbanísticas.

Mesmo com os incentivos do Plano Nacional de Habitação, dificilmente voltaremos a ser o El Dorado da habitação. Mas cabe às entidades locais um papel relevante para aumentar a oferta de habitação a preços acessíveis, encontrando parceiros privados, não comprometendo o direito à habitação a todos os escalões da sociedade, tendo o Estado como facilitador.

Mas não devemos querer um Estado regulador. A ambição de controlar, a disponibilidade, dimensão e tempos condenarão sempre esta opção ao fracasso.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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