A casa de dois escravos libertos que fizeram fortuna a vender vinho reabre em Pompeia

O director do parque arqueológico sublinha a qualidade dos seus frescos chamando-lhe “a capela sistina” da cidade romana. Casa Vetti esteve 20 anos a ser restaurada.

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O restauro das esculturas, frescos e outras pinturas murais demorou 20 anos Cortesia: Parque Arqueológico de Pompeia/Luigi Spina via Reuters
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A casa dos Aulus Vettius era uma das mais luxuosas da cidade Cortesia: Parque Arqueológico de Pompeia/Luigi Spina via Reuters
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Praticamente todas as visões estão profusamente decoradas Cortesia: Parque Arqueológico de Pompeia/Luigi Spina via Reuters
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Vista geral da casa Cortesia: Parque Arqueológico de Pompeia/Luigi Spina via Reuters
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No jardim há várias esculturas e uma fonte onde também está representado Príapo, deus da fertilidade Cortesia: Parque Arqueológico de Pompeia/Luigi Spina via Reuters
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Quem entrava na vila encontrava na parede à direita o fresco em que Príapo parece indicar a fonte de riqueza dos donos da casa Cortesia: Parque Arqueológico de Pompeia/Silvia Vacca
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A pintura que representa Príapo tem várias camadas de leitura Cortesia: Parque Arqueológico de Pompeia

Quando a mobilidade social fica ainda muito aquém do que seria desejável nas sociedades contemporâneas não há como não pensar que é pelo menos curioso que uma das mais fabulosas casas que se conhecem de Pompeia, a cidade romana que o Vesúvio engoliu há quase dois mil anos, tenha pertencido a dois homens que foram escravos.

Já libertos, Aulus Vettius Restitutus e Aulus Vettius Conviva terão entrado para o núcleo dos mais ricos da cidade que à data da catástrofe teria cerca de 20 mil habitantes graças ao comércio de vinhos. Durante muito tempo, escreve o diário britânico The Guardian, acreditou-se que seriam irmãos, mas hoje Gabriel Zuchtriegel, director do parque arqueológico a 25 quilómetros de Nápoles em que a cidade foi transformada, garante que os especialistas estão mais inclinados para a hipótese de ambos se terem conhecido quando estavam ainda em cativeiro e eram propriedade do mesmo romano, Aulus Vettius, cujo nome, aliás, carregam.

E a ideia que serve de base a esta teoria é, na verdade, bastante fácil de perceber: “Se tivessem pertencido à mesma família, os dois primeiros nomes destes homens não seriam iguais, mas o seu apelido sim”, diz o director e arqueólogo, explicando em seguida que é improvável que dois irmãos vivessem juntos enquanto cativos, já que a estratégia de desenraizamento dos escravizados passava pelo corte de quaisquer laços familiares. “O mais provável é que fossem amigos.”

Seja como for, a Casa Vetti é uma das mais bem preservadas da cidade e uma das poucas que podem ser associadas aos seus proprietários, o que faz com que o seu regresso ao circuito de locais visitáveis no parque arqueológico depois de ter estado encerrada durante quase 20 anos para trabalhos de conservação e restauro seja motivo de celebração.

Para Gabriel Zuchtriegel, a vila dos dois libertos é a que melhor reflecte a sociedade romana porque, explicou ao diário britânico, “por um lado tem a arte na pintura, nas esculturas, e por outro conta uma história [de ascensão] social”, algo que não era comum em Pompeia.

Gennaro Sangiuliano, o ministro da Cultura italiano, visitou a antiga cidade romana no dia da reabertura e falou aos jornalistas sobre a importância de Pompeia enquanto um “pedaço da história da humanidade” que tem particular peso na identidade italiana.

“Aqui conseguimos ver o valor histórico, filosófico e antropológico da nossa cultura, mas também o seu valor económico. A cultura é um superpoder em Itália”, disse o governante citado pelas agências de notícias ANSA e AFP, declarações a que não será estranho o poder de atracção turística do parque arqueológico, que antes da pandemia chegou a receber mais de 3,5 milhões de visitantes por ano.

Erotismo e riqueza

Familiares ou não, certo é que os dois Aulus Vettius cujos nomes ainda conhecemos passados quase dois mil anos se tornaram proprietários de uma luxuosa vila que à data da erupção do Vesúvio, no ano 79, estaria profusamente decorada com esculturas, frescos e outras pinturas murais, muitas delas de carácter erótico, o que faz com que os arqueólogos e historiadores associem esta casa ao hedonismo, à busca do prazer, e estimem que nela existiria também um pequeno bordel, numa divisão exígua junto à cozinha.

Entre os frescos mais explícitos estão várias cenas de sexo entre casais e uma representação de Príapo, divindade associada à fertilidade e à abundância, cujo principal atributo é um enorme pénis erecto.

O fresco do deus ligado à produtividade de campos, rebanhos e colmeias é o que tem mais camadas de leitura. O facto de ter sido executado numa parede à entrada, à altura dos olhos, diz-nos que deveria ser visto por todos e que, provavelmente, era nele que os dois comerciantes de vinhos confiavam para proteger o que era seu, defendem os historiadores.

Olhando para a imagem com mais atenção percebemos que Príapo está a comparar o peso do seu falo ao de uma bolsa de dinheiro (cada um colocado num prato da balança que segura na mão) e que o seu pénis aponta para um prato de frutas em que se destaca um cacho de uvas, provavelmente indicando a fonte de riqueza dos donos da casa.

Escavada em 1894-95, a Casa Vetti vê agora reforçado o seu poder de atracção, com os frescos e as esculturas dos jardins mais próximas do que seriam no original graças a uma equipa multidisciplinar composta por arqueólogos, historiadores, conservadores restauradores, engenheiros de estruturas e até arquitectos paisagistas.

“Foi um dos mais complexos e desafiantes trabalhos das últimas décadas”, reconheceu o director do parque em declarações à ANSA, referindo-se à vila como “a casa do ‘espírito romano’”, escreve a revista Forbes.

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