A greve dos professores e o exercício abusivo do direito à greve

Os professores faltam aos primeiros tempos. As escolas dão indicações aos alunos para regressarem a casa. Quando já não há alunos, os professores aparecem e reclamam o pagamento do resto do dia.

O direito à greve é um direito-chave em qualquer Estado de Direito democrático. Faz parte da ideia de cidadania e é um poderoso instrumento de reequilíbrio das desigualdades jurídicas e económicas próprias de uma relação de trabalho. Em larga medida, as democracias liberais e o Estado Social de Direito atingiram o grau de maturidade que têm graças ao direito à greve e à negociação coletiva.

Por essa razão, o direito à greve está previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na nossa Constituição e no Código do Trabalho.

Trata-se de um direito irrenunciável, competindo aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve.

A circunstância de se tratar de um direito irrenunciável não significa, porém, que se trate de um direito ilimitado. Na medida em que o seu exercício pode pôr em causa outros direitos fundamentais – o direito ao trabalho, à saúde, à educação e à livre circulação de pessoas e bens – o direito à greve é regulamentado e deve ser exercido segundo princípios de proporcionalidade e boa-fé.

É nesse sentido que se compreendem, nomeadamente, exigências legais quanto à competência para declarar a greve, a necessidade de existir um pré-aviso de greve, bem como a obrigação de prestação de serviços mínimos.

A atual greve dos professores, atenta a forma como está a ser exercida, parece estar a ultrapassar e a violar aqueles limites.

Na verdade, tanto quanto tem sido noticiado, a greve que está a ser levada a efeito não é uma greve tradicional, em que os professores, com base num pré-aviso de greve pré-determinado, se abstêm de trabalhar para pressionar o empregador (o Estado) a conceder-lhes melhores condições de trabalho.

O que está a suceder parece ser diferente.

Apesar de os pré-avisos determinarem que os professores vão faltar a todo o serviço durante o dia de greve decretado, a verdade é que, segundo tem sido relatado, os mesmos apenas estão a aderir à greve nas primeiras horas do dia, escolhendo as horas em que fazem greve e os momentos em que regressam ao serviço, como se o direito à greve fosse um serviço de self service ao seu dispor.

Ao fazê-lo, causam um prejuízo acrescido às escolas e à comunidade, onde se incluem os pais e as crianças. A razão é simples: em bom rigor, ninguém consegue programar ou antecipar se haverá ou não adesão à greve e, pior do que isso, qual a sua duração, nomeadamente se se inicia de manhã, a meio da manhã, à tarde ou a meio da tarde. Aparentemente, o que tem sucedido é que os professores faltam os primeiros tempos da manhã, quando os pais vão levar as crianças às escolas. As escolas, perante a falta de professores, dão indicações aos alunos para regressarem a casa. Depois – e só depois - os professores aparecem, como se estivessem ao serviço. E com uma agravante: a partir do momento em que decidem ir trabalhar e quando já não há alunos nas escolas, reclamam o pagamento dos períodos em que (em tese) não estão em greve. Ou seja: não trabalham durante o resto do dia, porque já não há alunos, mas reclamam o pagamento do período em que formalmente estavam disponíveis para prestar a sua atividade docente.

É o que se chama de “greve de maior prejuízo”: o empregador (e a comunidade) têm um prejuízo total, pelo facto de a greve inutilizar todo o dia de ensino; os professores, porém, que na prática não deram aulas nesse mesmo dia, exigem o pagamento das horas em que “formalmente” estavam a trabalhar. Não devia ser assim.

No caso vertente, não está em causa saber-se se as reivindicações dos professores são legítimas. Em termos gerais, parece evidente que o Estado deve apostar na valorização desta profissão. Não só por ser uma profissão nobre, mas por ser determinante para a construção do futuro do país. Investir na educação e nos professores é investir no país. Mas a motivação da greve não se confunde com a forma como a mesma é exercida e não legitima tudo.

O que está em causa, é mais do que uma questão de motivação: é uma questão de lealdade e de cumprimento da lei no exercício do direito à greve, que parecem estar a ser desrespeitados.

A defesa do direito à greve também passa por aqui, ou seja, pelo seu exercício nos estritos termos da lei e segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

A utilização abusiva da greve, para além de encerrar problemas de legalidade, torna-se contraproducente, dando azo a movimentos populistas que contestam a própria existência do direito à greve. Os sindicatos deviam ser sensíveis a esta questão.

A greve existe para ser exercida, mas para ser exercida nos termos da lei.

Quando a lei não é respeitada, a greve torna-se ilícita.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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