Opção vegetariana nas cantinas escolares: cinco anos depois da lei, qual é a realidade?

Há cantinas públicas a exigir que se peça o prato vegetariano com um ano de antecedência. Maior parte das cantinas tem menu vegetariano logo disponível, mas o caso pode mudar, se houver pouca procura.

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A lei que torna obrigatória a opção vegetariana nas cantinas públicas já tem cinco anos Nelson Garrido

No ano de 2017, foi aprovada uma lei que estabelece a obrigatoriedade da existência de uma opção vegetariana nas cantigas de todos os estabelecimentos públicos, como escolas, lares e hospitais. Quando a lei saiu, Ana Castro estudou-a a fundo. Além de activista vegana e mãe de quatro filhos com a mesma dieta, é advogada, pelo que usou os seus conhecimentos para tentar perceber todas as entrelinhas de uma legislação “muito pequenina”. Um grande avanço, escrito apenas numa página.

Juntamente com outras famílias vegetarianas, Ana, que vive em Torres Vedras, já tinha conseguido criar uma opção vegetariana na escola dos filhos – da qual ainda hoje beneficiam –, pelo que a sua zona foi, na altura, “um caso de estudo”.

“Na altura em que a lei saiu, ficámos muito contentes, mas, ao ler a lei, dá para perceber facilmente que as cantinas públicas podem exigir requisição prévia, caso não haja grande demanda, para evitar desperdício alimentar”, conta a mentora na plataforma Desafio Vegetariano, um projecto da Aliança Animal.

Nesse aspecto, Ana Castro está certa: a legislação supõe que, nos casos em que a procura da opção vegetariana é baixa, é permitido às cantinas pedir uma requisição prévia deste menu aos que quiserem usufruir dele. Parece um pormenor, mas esta componente leva a que as cantinas públicas actuem de forma distinta entre si. Desde a criação da opção vegetariana obrigatória, a Associação Vegetariana Portuguesa (AVP) tem estudado a realidade da aplicação desta lei. Este ano, os resultados são claros: a evolução existe, mas ainda há lacunas na prática.

Pedir menu um ano antes

O estudo da AVP, em que participaram mais de 2000 pessoas, demonstra que 55,2% das cantinas públicas analisadas têm a opção prontamente disponível, e 22% exigem a sua solicitação com antecedência – para a maioria, isto significa avisar no dia anterior. Contudo, há cantinas públicas a exigir que se peça a refeição vegetariana com um ano de antecedência. Segundo o relatório, publicado em Abril, é uma minoria de 3,5% – um número que aumenta, quando se restringe a amostra aos encarregados de educação que responderam, em que 23,8% dizem ter de pedir com um ano de antecedência, o que faz a AVP pressupor que estes requerimentos sejam feitos no início do ano escolar.

Ficou ainda explícito no inquérito de 2022 que as cantinas públicas tinham direito a um período de adaptação de, no máximo, seis meses a contar da data em que a lei entrou em vigor – 1 de Junho de 2017. Contudo, cinco anos depois, uma minoria de 7,2% dos inquiridos, maioritariamente encarregados de educação de crianças em idade escolar, ainda denunciam a não disponibilidade da refeição vegetariana. E mais: 15,7% não sabem sequer se ela existe. Dos estudantes, os que não têm acesso à opção vegetariana estão, normalmente, em escolas de ensino básico ou secundário.

Casos de falta de acesso ou informação já chegaram às mãos de Ana Castro, tanto pela Aliança Animal, como na actividade da sua profissão e por ser, ela própria, mãe de crianças veganas. “Já vi vários processos e vou ajudando muita gente que quer saber”, conta a activista, que destaca o facto de a Universidade de Coimbra ter opções vegetarianas já em 1997, altura em que lá estudava, como uma grande ajuda para a sua própria transição.

Ao início, Ana deparava-se com muitos encarregados de educação que não sabiam que podiam fazer um pedido prévio à escola, achando que a opção vegetariana tinha de estar prontamente no menu. Entretanto, a advogada já nota “uma evolução na forma como as escolas estão a lidar com os pais”: se antes, “tinha de fazer um requerimento”, agora já é a escola dos filhos que, no momento da matrícula, fornece um formulário que pergunta qual é a dieta deles – uma medida que evita o desperdício alimentar e com a qual “os pais não devem ficar chateados”, na opinião da advogada e activista, que se congratula com a adaptação e a mudança de paradigma.

“Isto está a suceder de forma muito rápida. As crianças influenciam outras crianças, e os pais acabam por aderir”, conclui.

O nutricionista Ricardo Moreira, especializado em alimentação vegetariana, nota a mesma evolução. Apesar de reconhecer que um dos maiores desafios entre os pais que o consultam ainda é a falta de opções em algumas creches e infantários – não necessariamente estabelecimentos públicos –, que dificultam o acesso às refeições vegetarianas, Ricardo Moreira tem recebido cada vez menos queixas. “Diria até que acredito que talvez nos últimos dois anos cada vez mais creches estão a adaptar-se ao aumento de crianças vegetarianas e a oferecer ementas com opções ovolactovegetarianas ou vegan equilibradas”, acrescenta.

Escolas mais inclusivas e outros caminhos

O pequeno Dinis, de seis anos, é vegetariano desde que se lembra do que é comer. Com uma nutrição completa sempre assegurada em casa, foi na ida para o infantário que, pela primeira vez, se deparou com problemas. Numa altura em que a legislação que tornava obrigatória a existência de uma opção vegetariana estava em vigor há pouco tempo, a escola não respondeu ao pedido de acesso às refeições de Adélia Loureiro, a mãe de Dinis e de mais duas meninas.

“A escola ainda não tem”, disseram.

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Adélia Santos e Marco Loureiro optam por não recorrer à opção vegetariana oferecida na escola PAULO PIMENTA

Entretanto, os tempos mudaram. A situação ficou, contudo, na memória de Adélia Loureiro e do companheiro, Marco Santos, juntamente com uma sensação de desconfiança em relação ao menu. Agora com três filhos – Dinis, Diana, de quatro anos, e Rita, de três –, optam por preparar, todos os dias, uma refeição vegana que as meninas levam para o infantário, apesar de já terem opções dentro do estabelecimento. Dinis, por sua vez, iniciou o primeiro ciclo em ensino doméstico.

“Quando há um menu, a distância entre o que está lá e o que realmente fazem é grande. Nós temos conhecimento de nutricionistas que criam o menu e depois, quando vão ver, a cantina está a misturar coisas que não é suposto, ou a meter uma maior quantidade de manteiga, gordura e sal”, conta a professora de ioga da Póvoa de Varzim, acrescentando que, actualmente, os filhos são os únicos veganos no infantário. “A levar refeições de casa poupamos trabalho à escola, poupamos chatices a nós e eles comem melhor”, remata.

À conversa com o PÚBLICO, Marco Santos refere ainda as sobrinhas do casal que, quando estavam na escola, costumavam queixar-se de que o prato vegetariano da cantina “era muito fraquinho e uma coisa muito básica”.

“Não digo mal de quem estava a dar essas alternativas, porque, se calhar, estavam a fazer o melhor que sabiam. Mas era preciso dar uma formação a essas pessoas, para melhorar”, recomenda.

Preparar marmitas para a escola também não é algo novo para Inês Guilherme e João Moreira, de Lisboa. Na creche que a filha Aurora, de três anos, frequenta “há crianças com diferentes regimes alimentares, como crianças alérgicas ao glúten e um ou outro casal que também tem filhos vegetarianos”, conta Inês, que é designer de comunicação. Assim, a hora de almoço das crianças é caracterizada por uma variedade de cores e sabores.

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Na creche de Aurora, "a diferença é respeitada" João Moreira

Além disso, a instituição organiza festas e convívios em que todos podem contribuir e não há um alimento que não tenha os seus ingredientes identificados, por respeito aos diferentes regimes alimentares, e porque, como diz João, “informação não faz mal a ninguém”.

“A diferença é respeitada, qualquer que ela seja, e nós sentimo-nos tranquilos. Não só enviamos bolos que dêem para todas as crianças, mas elas também fizeram agora bolachas de Natal numa versão vegana, que também dá para todas as famílias. Quando dá para todos, acho que a vida fica mesmo muito mais simples”, conclui Inês.

Inclusão está também no vocabulário de Sofia e Hugo Ferraz, quando falam da forma como o infantário aborda a alimentação dos dois filhos, Nicolau e Benjamim. Sofia Ferraz, pasteleira e consultora de restauração do Porto, congratula-se com o facto de a escola – um estabelecimento privado – servir refeições vegetarianas e enviar o menu aos pais todas as semanas. Menu este que é “bastante completo e variado”, aberto às sugestões dos pais e com uma preocupação acrescida com a proteína. “Eles comem muita proteína na escola, na sopa e no prato! Nem em casa comemos tanta proteína”, comenta Sofia.

Na escola de Nicolau e Benjamim, há uma grande preocupação em fornecer refeições equilibradas NELSON GARRIDO
NELSON GARRIDO
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Na escola de Nicolau e Benjamim, há uma grande preocupação em fornecer refeições equilibradas NELSON GARRIDO

À hora do lanche, o recheio do pão varia ao longo da semana e é baseado no que Nicolau e Benjamim comem em casa. Quando alguém faz anos, o bolo de aniversário é feito pelas crianças e não é por serem veganos que eles ficam de fora. “O bolo é vegan para eles poderem participar e dividir com os colegas. Neste caso, fui eu que dei uma receita simples de eles converterem”, refere a pasteleira, acrescentado que a boa experiência que sempre teve em hospitais reconforta-a e não tem receio de matricular os filhos numa escola pública por causa da alimentação.

“Pode dar alguma guerra, mas temos de ter [refeições vegetarianas]”, remata.

Texto editado por Claudia Carvalho Silva

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