“Isto tem a ver com a questão da inveja”

Paulo Frischknecht foi presidente da Federação Portuguesa de Natação entre 2005 e 2013.

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Paulo Frisknett Guilhermo Vidal

Após dois anos e nove meses de investigação, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) Regional de Lisboa arquivou o inquérito instaurado à antiga direcção da Federação Portuguesa de Natação (FPN) liderada por Paulo Frischknecht, antigo nadador olímpico e actual presidente da Fundação do Desporto. A denúncia tinha partido da actual direcção da FPN que acusava o anterior elenco federativo de irregularidades cometidas na compra, em 2011, de um imóvel em Montemor-o-Velho, para a instalação de um Centro de Alto Rendimento (CAR) destinado aos atletas da disciplina de águas abertas. Actual direcção que, entretanto, recuou no investimento programado.

Está aliviado por esta decisão de arquivamento?

É evidente que estou aliviado por fechar uma porta, por acabar uma prova, porventura a minha prova mais longa e também a mais dura – e, eventualmente, a última no que diz respeito à minha ligação com a natação, até porque eu fui nadador durante 20 anos, treinador durante 15, árbitro internacional, dirigente… e tive a felicidade de ser olímpico em cada uma delas.

Na origem deste processo está a instalação de um CAR em Montemor-o-Velho. Qual a necessidade de mais um CAR para a Federação Portuguesa de Natação (FPN)?

É preciso fazer um enquadramento da situação e que tem a ver com a evolução histórica do desporto no nosso país. Nos anos 80, muito por força daquela geração de atletismo e da influência e o reconhecimento que era dado ao professor Moniz Pereira, o desporto ganha uma condição completamente distinta da década anterior. E, nos anos 90, com os primeiros fundos europeus, acontece uma construção desenfreada de equipamentos desportivos, as célebres pistas de tartan, os pavilhões, as piscinas, um pouco por todos os concelhos, mas sem obedecer a uma política integrada e muito menos a um Atlas Desportivo nacional.

Na continuação desse investimento e do reconhecimento social do desporto e da importância que foi ganhando, são construídos os primeiros Centros de Alto Rendimento (CAR). O do Jamor, que já existia, é qualificado e renovado. Depois vem o de Rio Maior e, a seguir, constroem-se todos os outros que, hoje, totalizam cerca de 14 na rede nacional. Acontece que Rio Maior servia e serve apenas quatro das cinco disciplinas da natação: natação sincronizada e eventualmente os saltos (se houvesse o reatamento dessa disciplina), a natação pura e o pólo aquático, mas sobravam as águas abertas.

O Secretário de Estado Laurentino Dias sugere a pista de Montemor-o-Velho e, até pelo exemplo dado pelos Jogos de Pequim, onde as provas de triatlo e as provas de natação se disputaram exactamente na pista de canoagem e do remo. Havia uma pista, com a torre de chegada, mas não havia residenciais ou pensões quanto mais hotéis para albergar os atletas.

O Secretário de Estado, o presidente do Comité Olímpico com grande insistência e o presidente do IPDJ desafia a FPN a aliar-se a este projecto colectivo e garantiria também uma casa em Montemor-o-Velho. Honrando o investimento e o esforço que o país tinha feito na construção da rede de CARs, que custou 120 milhões ao país na altura, embarcámos nessa aventura. Quer a FPN, quer a FPT acabaram por celebrar esses acordos a cinco anos no tempo.

A decisão da sua direcção em avançar para Montemor foi aprovada em Assembleia Geral?

Todos os órgãos sociais estavam envolvidos. Primeiro, em sucessivas reuniões da direcção, decidimos que era mais importante construir este equipamento para os nossos atletas. Depois, envolvemos o Conselho Fiscal para liderar toda esta operação do ponto de vista do modelo de negócio. E por fim, apresentámos à Assembleia Geral que aprovou; num universo de 40 delegados, 38 votaram a favor, um absteve-se e outro estava ausente. Portanto, há praticamente uma unanimidade neste investimento que foi feito.

Ficou surpreendido com o volte-face?

A última coisa que nós esperavámos era que houvesse uma vontade premeditada, porque o processo também trouxe coisas boas e as coisas boas são perceber as declarações da outra parte e, principalmente, quando há um vice-presidente que diz, muito antes de sermos eleitos e antes de entrarmos em funções, “a nossa intenção era logo fechar Montemor-o-Velho” e quando temos um presidente que está em claro conflito de interesses, porque está ligado umbilicalmente a Rio Maior. Na nossa perspectiva, isso nunca aconteceria porque, repito, eram complementares: um era para quatro disciplinas, o outro era apenas para uma, mas os homens são assim e, portanto, nós não podemos aqui fazer juízos de valor.

Entre os que votaram a favor na Assembleia Geral estavam as mesmas pessoas que depois contestaram a decisão?

Infelizmente, a esmagadora maioria sim. E seis meses depois já não estava de acordo. Diria um ano e seis meses porque o equipamento foi usado e, apesar de ter sido usado tão pouco tempo, ainda saíram atletas olímpicos, como é o caso da Diana Durães, que hoje representa o Benfica, e do próprio Arseniy Lavrentyev que acabou por ser medalha de prata nos Europeus de 2012, a seguir a Londres, ou seja, foi uma equipamento que, apesar de ter durado pouco tempo, ainda serviu para formar alguns atletas, produzir resultados desportivos e qualificar outros.

Inclusive, como me é dado saber, a própria FPC adquiriu em 2022 aquilo que era um “campus” que não servia à FPN há 11 anos. Ou seja, há uma outra federação que se “atreve” a ficar com o nosso equipamento, que foi gizado, idealizado e cujo layout foi pensado para os nossos atletas, o que comprova a bondade do investimento, a qualidade do equipamento.

Um dos argumentos da actual direcção, para além de não ter aproveitamento desportivo, era de que o investimento também era muito avultado…

O investimento, no tempo, era de 800 mil euros, o qual estava liquidado em cerca de 20% na altura da nossa saída, mas tínhamos, não ia dizer o dobro, mas nós tínhamos deixado cerca de 800 mil euros, naquilo que foi o maior legado de sempre de uma direcção para outra, e em liquidez, para fazer face a encargos remanescentes de cerca de meio milhão.

Não é um investimento mal feito, porque para além disso ainda temos a utilização dos atletas durante esse período de tempo e a poupança sobre essa utilização, porque não vamos para o estrangeiro, porque não pagamos hotéis, transportes, etc.

As pessoas agora diziam-me que está na tua vez de os processares por bullying pessoal, profissional, reputacional, por consequências e prejuízos familiares e financeiros, à volta deste processo e eu digo não, a natação não me fez mal, a federação não me fez mal. A natação só me trouxe boas amizades, excelentes memórias e, infelizmente, no meio disso, vêm duas ou três ou ovelhas negras e foi esse o caso.

É por isso que eu quero pôr uma pedra no assunto e disse que esta é a minha última prova na natação. Tudo isto é desagradável, quando percebemos que as motivações são exclusivamente políticas. Não é político-partidária, são políticas do género “vamos manchar este tipo do ponto de vista reputacional, vamos pô-lo no seu lugar”. O atleta, o ex-atleta, o ex-praticante e principalmente alguém com alguma notoriedade desportiva, seja ele quem for, acaba por constituir uma ameaça a quem não tem esse percurso e essa é a única coisa que eu não consigo fazer pelos meus sucessores. A única coisa que lhes posso deixar é a experiência como dirigente e, portanto, isto muitas vezes tem a ver com a espécie humana, causa aquilo que é um traço natural, muito particular no nosso país, que é a questão da inveja, a suspeição.

De 2011 até 2022 e isto é muito estranho, nem eu nem nenhum dos elementos da minha equipa foi ouvido pela direcção, pela assembleia geral, pelo Comité Olímpico ou pelo IPDJ sobre nenhuma destas situações. Apesar de, nos bastidores, nos primeiros anos e insistentemente, se ouvir falar no negócio de Montemor-o-Velho, como tivesse sido a maior operação de aproveitamento económico ou de fraude cometida pela equipa anterior. E quando é que vão directamente para o Ministério Público? Oito anos depois, ou seja, já no final do seu segundo mandato.

Se havia fundadas suspeitas de uma operação mal-conduzida, porque é que eles apresentaram uma queixa ao Ministério Público só em Dezembro de 2019? Eu só posso apenas associar à vontade de atingir pessoalmente e insistentemente os mesmos.

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