Portugal-Uruguai: o mérito de (pelo menos) ter a iniciativa

Pela segunda vez consecutiva, uma metamorfose. Começa a haver qualquer coisa de previsível no plano de voo dos adversários quando se preparam para enfrentar Portugal, sobretudo aqueles que entendem que não têm argumentos para discutir o jogo nas mesmas bases. Tal como o Gana, também o Uruguai mudou de sistema. Tal como o Gana, também o Uruguai optou por uma linha defensiva de cinco. Tal como o Gana, também o Uruguai levou o rival (e os adeptos) aos limites do aborrecimento. E, tal como o Gana, o Uruguai perdeu a aposta.

Sejamos claros, a selecção portuguesa não tem empolgado, mas é justo reconhecer que é especialmente difícil de brilhar quando a única preocupação do adversário é apagar as luzes. Aconteceu na jornada inaugural, voltou a acontecer nesta segunda-feira: um bloco baixo, uma linha de cinco e outra de três, bem juntas, agressividade nos duelos e pouco ou nenhum engenho (interesse?) em sair com outra ideia que não ataques rápidos.

Portugal mostrou-se preparado defensivamente — raramente permitiu um contragolpe ao Uruguai (o único lance de apuros no primeiro tempo foi um raide improvisado de Bentancur) —, mas pouco dinâmico com bola. É certo que Bernardo Silva, William e Rúben Neves iam alternando na saída de bola, mas a máquina emperrava sempre que era necessário, já no espaço entre linhas, apelar aos ataques curtos à profundidade. Um número elucidativo: 116 bolas recebidas entre linha média e defensiva adversárias (contra 85 dos sul-americanos) e as mesmas sete solicitações nas costas da defesa contrária.

Ao intervalo era claro que iniciativa era uma palavra que apenas se escrevia em português. E quando a esse domínio com bola Portugal juntou a capacidade de atrair um pouco mais o adversário e de activar as saídas verticais, ora com Bernardo, ora com João Félix, ora com Bruno Fernandes, entre corredores esquerdo e central, os alicerces uruguaios começaram a oscilar. Era uma questão de insistir, de perseverar, de desgastar.

O golo inaugural, cobiçado por Cristiano e creditado a Bruno Fernandes, abriu caminho a uma outra partida. A partir dos 62’, o Uruguai, de volta ao 4x2x3x1, voltou a ser o Uruguai das acelerações pelas faixas laterais, com Pellistri a impor a lei na direita e uma nova dupla de atacantes. Tínhamos, finalmente, jogo.

Portugal, com Bernardo e William altamente desgastados, começava a perder o meio-campo, a fazer crescer o espaço entre linhas média e defensiva. Fernando Santos reequilibrou as forças com dois pensos rápidos, Palhinha para estancar a ferida e Matheus Nunes para arranhar o adversário, e recuperou a batuta.

Quando Bruno Fernandes ganhou e converteu o penálti, o Uruguai já estava no tapete, a limitar-se a ver de perto o possível 3-0 e o poste a abanar. Com tempo suficiente para reflectir sobre uma abordagem própria de quem nunca fez por merecer a sorte que não soube procurar.

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