Certificação nacional obriga a ter 50% de uva de produção sustentável

Nova certificação nacional de sustentabilidade vai ser gerida pela ViniPortugal e coloca a fasquia da uva de produção sustentável no mínimo. Quer ser “credível”, mas também “pragmática” e “exequível”.

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O controlo de fornecedores é o indicador que se adivinha "mais complicado" na nova certificação nacional de sustentabilidade para o sector do vinho Anna Costa

Portugal já tem um Referencial Nacional de Certificação de Sustentabilidade do Sector Vitivinícola. É uma iniciativa do Instituto da Vinha e do Vinho, vai ser gerido pela ViniPortugal, tem 86 indicadores e, naquele que se adivinha ser o indicador mais complicado (controlo de fornecedores), obriga a que 50% das uvas sejam de origem sustentável. Abrange todos os produtos vínicos, ou seja, vinho certificado e vinho não certificado, aguardentes vínicas e vinagre de vinho.

A nova certificação, que acrescenta aos três pilares da sustentabilidade — social, ambiental e económico — um quarto, o da governança (no referencial, essa área de intervenção chama-se “Gestão e Melhoria Contínua”), foi apresentada esta quarta-feira em Fátima, no Fórum Anual dos Vinhos de Portugal. Nas palavras do presidente do IVV, o novo “selo” foi pensado para ser “simples”, “pragmático” e “exequível”, mas deve ser visto como “uma base de crescimento para o futuro”. Bernardo Gouvêa também sublinhou que tinha de ser “credível”, daí haver mínimos.

O referencial estava em estudo “há dois anos”, ficou pronto no final do Verão e foi aprovado em Outubro em assembleia-geral da ViniPortugal, explicou o seu presidente, Frederico Falcão, que descreveu a iniciativa como “uma medida essencialmente comercial, de acesso a mercados”, que já não é apenas “uma vantagem competitiva”, mas antes uma obrigação. Uma obrigação para quem quiser aderir, entenda-se, porque a certificação é voluntária.

Foram várias as dúvidas que surgiram numa plateia onde estavam presidentes de comissões vitivinícolas regionais (CVR), vários produtores e outros responsáveis de empresas do sector. Uma das primeiras intervenções questionava se, então, agora se iam obrigar viticultores de 80 e mais anos a meter papelada para certificar as suas uvas.

Respondeu Pedro Santos, director-geral da Consulai, empresa que construiu o referencial: “Esse sempre foi um dos focos do desenvolvimento do referencial, como podíamos integrar esses pequenos produtores [de uva]. Mas, há a fronteira dos 50% da quantidade de uva, portanto o foco pode ser em menos produtores, e esses têm de cumprir os critérios KO, que já foram definidos como sendo possíveis de implementar de forma simples por todos os operadores. Mas será preciso um maior trabalho da sua parte a acompanhar aquele produtor.”

Esse acompanhamento maior foi o foco da intervenção da presidente da CVR dos Vinhos Verdes, Dora Simões, também na plateia. “A capacidade de chegar localmente aos agentes económicos preocupa as regiões. No caso do Alentejo [e do seu Plano de Sustentabilidade, o PSVA], também se trata da implementação junto das empresas e isso é exactamente uma das razões do seu sucesso. Aqui, não chega ter um referencial. É óptimo, está feito. Como é que nos vamos organizar para que possa ser implementado na região, como sector, para que ele seja um sucesso?”

As CVR “terão um papel muito importante no auxílio aos produtores”, vaticinou Frederico Falcão. Assim como as empresas prestadoras de serviços e as associações do sector. A própria “ViniPortugal poderá ajudar”, acrescentou. Mas a notícia que mais terá agradado a Dora Simões e a outros responsáveis regionais (também Arlindo Cunha, presidente da CVR do Dão mas que ali vestia a camisola de presidente da assembleia-geral da ViniPortugal disse entender que “o sector público tem de apoiar") foi a de que o IVV apresentará ao Governo “uma proposta para aumentar em 10% a comparticipação das CVR, equitativamente”. Bernardo Gouvêa deixou a boa nova para o encerramento do evento.

Como funcionará o novo “selo"?

A avaliação feita considerará a dimensão da totalidade da actividade do candidato à certificação em território nacional e não apenas de cada uma das suas empresas e/ou explorações. Cada operador, consoante a sua actividade, terá um número diferente de indicadores a cumprir. Os “operadores verticalmente integrados (produção primária/vinha e transformação)” terão de “responder à totalidade dos indicadores”.

Há três níveis de cumprimento (níveis 1, 2 e 3) que correspondem a pontos e apenas 22 indicadores são universais, chamemos-lhe. Pedro Santos explicou que existe “um conjunto de indicadores que podem ser Não aplicáveis” e outro, os chamados “indicadores OK”, que “têm se der cumpridos por todos”. Do total de 86 indicadores (metade dos que existem no PSVA), 69 dizem respeito à transformação primária/vinha e “43 são indicadores no domínio ambiental, é o domínio com mais” critérios, concretizou.

O indicador do controlo de fornecedores, “de longe, o mais complicado”, foi o escolhido pelo responsável da Consulai para detalhar um pouco o que aí vem: “é indicador KO: no nível 1, pelo menos 50% da matéria-prima tem de vir de origem sustentável; no nível 2, menos de 75 cento; e no nível 3 100%”, explicou. E deu exemplos: “Um vitivinicultor engarrafador tem de cumprir logo o nível 3. Este indicador também se aplica aos associados de uma cooperativa: têm de ter 50% no nível 1. Quando a origem de matéria-prima é outra: ou sou certificado e posso vender essa uva ou sujeito-me a uma auditoria que diga que cumpro o nível mínimo para a matéria-prima”.

O nível de sustentabilidade será avaliado pela percentagem de pontuação obtida (uma soma dos pontos obtidos nos vários indicadores, face à pontuação aplicável: A para quem obtenha 50 a 65%, B entre 65 e 80% e C mais de 85%.

Há quatro opções de certificação: unilocal, multilocal, multiactividade e certificação através de referenciais equivalentes. Houve quem perguntasse por uma possível equivalência do PSVA e Frederico Falcão esclareceu que “não há uma equivalência directa, porque os planos não são iguais”, mas explicou que “quem está no PSVA, [já cumpre] muitos dos critérios” deste novo “selo”, que também se inspirou no programa alentejano. Assim como quem tem já vinhas em modo de produção biológica terá, à partida, a vida mais fácil.

Segundo explicou Pedro Santos, a sua equipa olhou para os mercados, e para o que eles procuram, em concreto os monopólios de venda de álcool nos países escandinavos, onde já há “22 referenciais reconhecidos”, e estudou nove programas de sustentabilidade benchmarking, nomeadamente o nosso PSVA, o Sostenibilidad Vitivinícola Argentina e o California Sustainable Winegrowing Program. Este último começou em 2010 e já certificados “32% de toda a vinha da Califórnia”, apesar da fasquia alta imposta pela obrigatoriedade de 85% da uva ser de origem sustentável (uma regra mais exigente do que a do PSVA, que põe esse mínimo nos 75%, e bem mais exigente do que a do novo referencial nacional).

Questionado pelo Terroir, à margem do Fórum, se os vinhos não certificados (durante anos, era o chamado “vinho de mesa”, hoje simplesmente é “vinho”, e fica fora do crivo da Denominação de Origem ou da Indicação Geográfica) estariam em condições de cumprir as mesmas regras, Frederico Falcão esclareceu que “a certificação em sustentabilidade não é ao produto, é à empresa e ao modo de funcionamento da empresa”. Certo é que, “tudo o que tenha a ver com a cadeia de abastecimento”, e isso inclui “as uvas, sejam uvas de quem produz os vinhos, sejam uvas compradas” e os “vinhos comprados”, está abrangido pelo novo “selo”, sublinhou.

A documentação (o referencial, as especificações técnicas e um glossário) será disponibilizada no site da ViniPortugal até ao final do ano. Está a ser ultimado o modelo de auto-avaliação, ainda em construção, bem como a lista das empresas certificadoras a que os candidatos poderão recorrer ("será o mercado a funcionar"). E Frederico Falcão acredita que em Janeiro haverá condições para arrancarem os primeiros processos. Assim estejam adiantadas as empresas naquilo que são as suas práticas sustentáveis.

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