Em vez de jogadores, estas cartas têm trabalhadores migrantes que morreram no Qatar

Textos apresentados em cartas de jogadores narram a história de 33 trabalhadores migrantes que morreram nos últimos anos, no Qatar. São as Cards of Qatar da plataforma de jornalismo Blankspot.

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Estas são três das 33 cartas de jogador Cards of Qatar

Chegaram ao Qatar vindos de zonas rurais do Nepal, Bangladesh e Índia à procura de uma oportunidade de trabalho. Partiram mas não regressaram às suas origens. Cards of Qatar, da plataforma sueca de jornalismo de investigação Blankspot, conta a história de 33 trabalhadores migrantes que morreram nos últimos anos no país.

Os testemunhos foram dados pelos familiares das vítimas e podem ser conhecidos num catálogo de cartas de futebol onde, em vez de jogadores, estão os migrantes. Estima-se que, assim como estes 33 trabalhadores, mais de 6500 tenham morrido durante o período da construção dos estádios do Campeonato do Mundo de Futebol de 2022.

São histórias de pessoas que esperavam ganhar dinheiro para ajudar as suas famílias a conseguir viver mais dignamente. Em vez disso, os familiares relatam como perderam maridos, pais e até filhos. Estrangulamentos, quedas, acidentes de carro ou até morte durante o sono foram algumas das causas de morte reveladas. Algumas famílias nem sabiam em que é que as vítimas estavam a trabalhar, outras não receberam qualquer compensação financeira ou assistência. Foi o caso da de Mohammad Kaochar Khanhad.

Kaochar partiu para o Qatar com o objectivo de conseguir que o seu filho de cinco anos fosse para a escola e também para conseguir construir uma casa no Bangladesh, a sua terra natal, com o dinheiro recebido em Doha. De acordo com a sua família, “foi para o Qatar para trabalhar num estaleiro de construção depois de ter pago 3.726 dólares por uma licença de trabalho e visto”.

Kaochar era o único “ganha-pão” da família. O irmão Didarul Islam Khan afirma nunca o ter ouvido a queixar-se da saúde. Conta que Kaochar lhe disse que, no quarto partilhado que tinha no campo de trabalho em Doha, “costumava comer comida que era cozinhada no campo”. Foi transmitido à família que Kaochar teria morrido por “insuficiência respiratória aguda devido a causa natural” e tinha sido dado como morto na sua cama no dia 15 de Novembro de 2017, aos 34 anos. Não tinha nenhum registo passado de problemas de saúde. Desde a data, a família nunca foi compensada pela sua morte.

Do mesmo país, Mohammed Suman Miah, marido e pai, morreu no final do turno de trabalho, num estaleiro de construção. Tinha 34 anos e morreu a 29 de Abril de 2020 com um aparente ataque cardíaco, num local com “38 graus Celsius à sombra”. Não foi feita nenhuma autópsia ao corpo. Suman teria ido para o Qatar trabalhar em 2016 e, de acordo com a Amnistia Internacional, não havia sido detectado nenhum problema de saúde no exame médico antes da partida.

Quando a família foi buscar o corpo, teve de alugar uma ambulância para transportá-lo desde o aeroporto até casa. Apenas receberam 1165 dólares de “salário perdido” e as autoridades do Bangladesh pagaram 400 dólares para despesas funerárias. A família depende agora do filho mais velho para pagar as despesas, uma vez que a viúva não tem meios suficientes para pagar as despesas escolares dos filhos.

Zobair Ahmed também era do Bangladesh. Farzana Akher, a sua mulher, deu à luz à primeira filha enquanto Zobair estava a trabalhar no estrangeiro. Quando Farzana recebeu a notícia de que Zobair tinha morrido, transmitiram-lhe que a causa da morte teria sido por “estrangulamento”, por ter ficado pendurado na correia de um capacete. Não se sabe se foi suicídio ou acidente; no entanto, Farzana recusa-se a “acreditar que ele teria tirado a sua própria vida”.

O marido nunca teve oportunidade de conhecer a filha. Em vez de ter celebrado a nova vida, Farzana teve de ir ao aeroporto reclamar o corpo de Zobair, “juntamente com 410 dólares e uma certidão de óbito”.

Estas são apenas uns exemplares das diversas histórias de algumas famílias. Tiveram de seguir em frente com a pouca informação que tinham sobre a morte dos seus entes queridos. Todas as outras histórias estão presentes no site do projecto Cards of Qatar.

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