COP27: os pontos essenciais do acordo na Cimeira do Clima

No final de mais de duas semanas da 27.ª Cimeira do Clima da ONU chegou-se ao acordo possível. Há a vitória de uma declaração sobre a criação de uma fundo para perdas e danos, mas ainda por definir.

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O acordo final foi muito discutido e só foi apresentado na manhã deste domingo EPA/ Sedat Suna

A conferência da ONU sobre o clima (COP27) chegou ao fim este domigo, com alguns consensos mas também com muitas críticas pela falta de ambição que se exigia neste momento de urgência. Além da declaração final e uma resolução sobre a compensação pelos danos e perdas causados pelas alterações climáticas sofridos por países vulneráveis, os progressos em relação à anterior cimeira são tímidos. Não se vê nestes resultados finais o travão que António Guterres, secretário-geral da ONU, pediu para nos desviarmos da “auto-estrada para o inferno”.

O acordo final foi muito discutido e só foi apresentado na manhã deste domingo, sendo que o dia oficial de encerramento da cimeira era na sexta-feira.O prolongamento das negociações é já habitual nestas conferências. Todos os anos, as cimeiras dedicadas ao clima resultam em documentos negociados ao mínimo detalhe pelos quase 200 países envolvidos. A formulação de uma simples frase pode exigir horas de discussão e implicar diferentes versões do texto inicial. Chegar a um denominador comum implica cedências, podendo ser sinónimo de aliviar obrigações, flexibilizar metas e até admitir recuos.

Aqui apresentamos alguns dos pontos essenciais aprovados nos documentos apresentados no final da COP27, segundo o comunicado de imprensa que confirma o encerramento dos trabalhos.

Perdas e danos

Em termos de justiça ambiental, a simples abertura para negociar fundos climáticos – um tema que emergiu em 2013 e que envolve uma discussão que se arrasta há quase uma década – já constitui um progresso no historial das COP. Assim, “a criação de um fundo específico para perdas e danos marcou um importante ponto de progresso, tendo a questão sido acrescentada à agenda oficial e adoptada pela primeira vez na COP27”, refere o comunicado da ONU.

Porém, para já, não é mais do que um fundo vazio. Os governos concordaram “em estabelecer um comité de transição” para fazer recomendações sobre como operacionalizar as novas disposições de financiamento. A primeira reunião do comité de transição deverá ter lugar antes do final de Março de 2023”, refere a ONU.

Será este “comité de transição” que ficará responsável pelas regras de funcionamento destas novas disposições, incluindo o fundo e a determinação dos contribuintes. O comité terá que fazer recomendações “para consideração e adopção” na COP28, a realizar no final de 2023.

O comunicado também faz referência à decisão de recorrer à Rede de Santiago, criada na COP25, em Madrid, que deveria operacionalizar as perdas e danos. Porém, a mesma decisão já tinha sido aprovado na COP26, em Glasgow. No texto gora aprovado, esta ajuda destina-se aos “países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas”.

No mesmo documento, divulgado no final da COP, destaca-se ainda que foram feitas no Egipto “promessas multimilionárias de vários países para ajudar a responder às calamidades climáticas, com mais compromissos de outras nações que se espera venham a seguir”.

A meta dos 1,5 graus Celsius

“Num contexto geopolítico difícil, a COP27 resultou num pacote de decisões que reafirmaram o seu compromisso de limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. O pacote também reforçou a acção dos países para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e adaptar-se aos impactos inevitáveis das alterações climáticas, bem como para reforçar o apoio financeiro, tecnológico e de capacitação necessário aos países em desenvolvimento”, anuncia o comunicado oficial. A meta continua viva, como exigiam activistas, cientistas e vários líderes de governo. Como vamos controlar, viagiar e forçar o cumprimento desta meta já é outra questão que fica, uma vez mais, em aberto.

O texto aprovado reafirma o objectivo do Acordo de Paris de conter o aumento da temperatura média abaixo de 2°C relativamente aos níveis pré-industriais e de continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C. Lembra também que os impactos das alterações climáticas serão muito menores com um aumento de 1,5°C do que com 2°C e decide continuar esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C.

Mitigação

“São necessárias reduções rápidas, profundas e sustentadas das emissões globais de gases com efeito de estufa – reduzindo as emissões líquidas globais de gases com efeito de estufa em 43% até 2030, em relação ao nível de 2019 – para limitar o aquecimento global à meta de 1,5°C”, destaca o comunicado da ONU, no capítulo onde analisa o progresso em relação à acção climática no acordo.

Foi lançado em Sharm el-Sheikh “um programa de trabalho de mitigação, com o objectivo de aumentar urgentemente a ambição e implementação da mitigação”. O comunicado detalha que “o programa de trabalho terá início imediatamente após a COP27 e continuará até 2030, com pelo menos dois diálogos globais realizados todos os anos”.

Os governos foram também “convidados a rever e reforçar as metas de 2030 nos seus planos climáticos nacionais até ao final de 2023, bem como a acelerar os esforços para a redução gradual da energia de carvão sem emissões mitigadas tecnologicamente e a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes.”

Adaptação

Poucos progressos, surgindo, no entanto, uma preocupação especial com os esforços relacionados com a gestão da água. Os países na COP27 concordaram com “uma maior integração da água nos esforços de adaptação para aumentar a protecção, conservação e restauração da segurança alimentar, agricultura, água e ecossistemas relacionados com a água, incluindo bacias hidrográficas, aquíferos e lagos”. Porém, no capitulo da adpatação, “o programa de trabalho de Glasgow-Sharm El-Sheikh sobre o objectivo de adaptação global progrediu com a conclusão a acontecer na COP28”.

“Foram feitas novas promessas, totalizando mais de 230 milhões de dólares americanos, ao Fundo de Adaptação na COP27. Estas promessas ajudarão muitas mais comunidades vulneráveis a adaptarem-se às alterações climáticas através de soluções concretas de adaptação. O Presidente da COP27 Sameh Shoukry anunciou a Agenda de Adaptação de Sharm el-Sheikh, aumentando a resiliência das pessoas que vivem nas comunidades mais vulneráveis às alterações climáticas até 2030. A Comissão Permanente das Nações Unidas para as Alterações Climáticas foi convidada a preparar um relatório sobre a duplicação do financiamento da adaptação para consideração na COP28 no próximo ano.”

Sobre o denominado “Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh”, o texto assinala que “uma transformação global para uma economia de baixo carbono deverá exigir investimentos de pelo menos quatro a seis biliões de dólares por ano”. E acrescenta: “A concessão desse financiamento exigirá uma transformação rápida e abrangente do sistema financeiro e das suas estruturas e processos, envolvendo governos, bancos centrais, bancos comerciais, investidores institucionais e outros actores financeiros”.

Transição energética e combustíveis fósseis

O texto da decisão reconhece que “a crise energética global sem precedentes sublinha a urgência de transformar rapidamente os sistemas energéticos para serem mais seguros, fiáveis e resilientes, acelerando as transições limpas e justas para as energias renováveis durante esta década crítica de acção”. Apela ainda para “a aceleração dos esforços para eliminar gradualmente o uso de “carbono (CO2) sem captura”, para a remoção dos subsídios ineficazes aos combustíveis fósseis e para “a aceleração de transições limpas e justas para energia renovável”. Porém, ao contrário do que muitos países defenderam nesta cimeira, a decisão não apela ao corte total (phase out) do carvão e nem sequer se refer à necessária redução gradual (phase down) de outros combustíveis fósseis, como o petróleo e gás.

Entre outras decisões, a nova Parceria Indonésia para a Transição Energética Justa, anunciada na Cimeira do G20 realizada paralelamente à COP27, promete mobilizar 20 mil milhões de dólares durante os próximos três a cinco anos para acelerar uma transição energética justa.

Outros fundos

O acordo da COP reafirma a “necessidade de transformar o sistema financeiro, incluindo os bancos multilaterais de desenvolvimento e as instituições financeiras internacionais a serem chamados a reformar as suas práticas e prioridades, alinhar e aumentar o financiamento para assegurar o acesso simplificado e a mobilização de financiamento climático de várias fontes”. Especificamente, refere que os “bancos multilaterais de desenvolvimento foram chamados a aumentar três vezes até 2025 a utilização do financiamento climático”.

Anunciando um total de 105,6 milhões de dólares norte-americanos em novos financiamentos, a Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Irlanda, Eslovénia, Suécia, Suíça, e a região da Valónia da Bélgica, sublinharam a necessidade de um apoio ainda maior aos financiamento do Fundo para o Ambiente Global, que visa as necessidades imediatas de adaptação climática dos Estados com baixos rendimentos.

A protecção das florestas

“Foram feitos progressos importantes na protecção das florestas com o lançamento da Parceria dos Líderes Florestais e Climáticos, que visa unir a acção dos governos, empresas e líderes comunitários para travar a perda de florestas e a degradação da terra até 2030”, refere o comuncado da ONU.

Nove compromissos

“Além do Plano de Implementação de Sharm El-Sheikh, foi assumido um grande número de compromissos para a implementação da acção climática durante as duas últimas semanas”, adianta ainda o comunicado de imprensa. Na lista há nove compromissos elencados, sendo que alguns deles deixam uma marca especial no Egipto, que acolheu a cimeira.

1.Os Estados Unidos anunciaram que irão contribuir com 150 milhões de dólares “como adiantamento” para iniciativas destinadas a ajudar África a adaptar-se às alterações climáticas. Isto inclui dez milhões de dólares para apoiar o lançamento de um centro de adaptação no Egipto – o Centro de Aprendizagem e Excelência em Adaptação e Resiliência do Cairo, anunciado pelo Egipto, que irá reforçar a capacidade de adaptação em todo o continente africano.

2. O Egipto assinou parcerias para o seu programa Nexus of Water-Food-Energy (NWFE) para apoiar a implementação de iniciativas climáticas com investimentos no valor de 15 mil milhões de dólares, incluindo um projecto energético no valor de dez mil milhões de dólares e oito projectos de segurança alimentar, agricultura, irrigação, e água.

3. O Fórum do Hidrogénio Verde Renovável foi lançado pelo Presidente Abdel Fattah El-Sisi, e Alexander De Croo, primeiro-ministro da Bélgica para encontrar formas de aumentar o investimento no Hidrogénio Verde Renovável.

4. O G7 lançou um novo sistema de seguros para fornecer ajuda financeira às nações vulneráveis afectadas pelos efeitos das alterações climáticas. Chama-se Global Shield. Receberá um financiamento inicial de 200 milhões de euros. Os primeiros beneficiários deste financiamento incluem o Gana, Paquistão e Bangladesh.

5. Uma “coligação de filantropos climáticos” anunciou um investimento de 500 milhões de dólares nos próximos três anos para acelerar uma transição energética justa e equitativa em países de rendimento baixo e médio, ao mesmo tempo que impulsiona o desenvolvimento sustentável e cria novas oportunidades económicas.

6. Agência de Protecção Ambiental dos EUA anunciando que irá expandir a sua regra do metano 2021 de modo a exigir que os perfuradores encontrem e tapem fugas em todos os locais de um milhão de poços do país e reduzam o metano da indústria petrolífera e de gás em 87% abaixo dos níveis de 2005.

7. O Egipto e os Emirados Árabes Unidos apoiam as organizações estatais em acordos para desenvolver 10 GW de energia eólica e 2GW de hidrogénio verde no Egipto.

8. “A UE e quatro estados membros anunciam uma provisão de mais de mil milhões de euros para a adaptação climática em África. A França, Alemanha, Holanda e Dinamarca marcaram um ponto de partida e espera-se agora que outros se juntem à iniciativa, que irá melhorar os sistemas de alerta precoce, melhorar o financiamento de programas internos de adaptação ao clima e criar novos sistemas de risco e seguros.”

9. “A presidência egípcia lançou uma série de iniciativas ao longo dos dias temáticos da COP27 centradas em: finanças, ciência, juventude, descarbonização, adaptação e agricultura, género, água, e sociedade civil, energia, biodiversidade e soluções que incluem acções a concretizar durante o próximo ano.”

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