COP27 arrasta-se até este domingo à procura de consenso

Foi um dia de avanços e recuos na Cimeira do Clima. Falta ambição na redução das emissões, mas há esperança de acordo para financiar recuperação de desastres agravadas pelas alterações climáticas.

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Activistas climáticos em Sharm el-Sheik Reuters/MOHAMED ABD EL GHANY

Houve uma luz de esperança, em torno de uma proposta para criar um fundo para perdas e danos, para ajudar os países que mais sofrem com os desastres naturais agravados pelas alterações climáticas. Mas as divisões falaram mais alto, com as negociações na Cimeira do Clima das Nações Unidas em Sharm el-Sheikh, no Egipto, a prolongarem-se madrugada dentro, a resvalar para domingo – quando a COP27 deveria ter encerrado na sexta-feira.

Está um plenário convocado para as 2h da madrugada (hora local que corresponde à meia-noite em Portugal continental), onde os 200 países presentes devem discutir as últimas (espera-se) diferenças que impedem firmar o acordo sobre perdas e danos e também a declaração final da COP27.

Os mais vulneráveis ou os particularmente vulneráveis?

Ao princípio da noite, a presidência egípcia da conferência apresentou uma versão da proposta de acordo sobre a criação de um fundo para perdas e danos ligeiramente diferente da que tinha avançado de manhã. O texto dizia que o fundo se destinava a ajudar os países “particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas”, em vez de “os países mais vulneráveis às alterações climáticas”.

Parece um preciosismo, mas limita um pouco o âmbito de países que poderão beneficiar deste fundo – foi uma alteração para satisfazer os países mais ricos. Como responsáveis pela maioria das emissões de gases com efeito de estufa, nações como os Estados Unidos e a União Europeia têm-se mostrado renitentes a aceitar a criação de um fundo deste tipo, por receio de enfrentarem grandes pedidos de indemnização – mas esse bloqueio parecia ter sido finalmente ultrapassado.

O New York Times avançou que os Estados Unidos deixaram de se opor à criação deste fundo – este país tem sido um dos principais obstáculos a que avance esta ideia, porque historicamente é o maior emissor de gases de estufa.

A versão anterior do documento tinha sido bem aceite pelos países em desenvolvimento – o chamado G77+China – e por activistas do clima. “É um momento muito excitante, após 30 anos de paciência, 30 anos de luta, 30 anos a tentar obter reconhecimento e acções concretas sobre perdas e danos”, disse ao Guardian Alpha Oumar Kaloga, da delegação da Guiné.

Uma comissão para iniciar o processo

O documento estabelece uma comissão para lidar com a operacionalização deste fundo e definir quais as maiores necessidades, e convida “agências das Nações Unidas, organizações intergovernamentais, instituições financeiras internacionais, bilaterais e multilaterais a submeter ideias sobre como poderiam aumentar o acesso e/ou a rapidez, âmbito e escala do financiamento para actividades relevantes para as questões de perdas e danos”.

Fala em “mobilizar recursos novos e adicionais” para dar apoio financeiro, “incluindo fora da Convenção [para as alterações climáticas das Nações Unidas] e do Acordo de Paris”.

No fundo, apenas inicia um processo. “Adia temas cruciais em torno da definição de quem paga e exactamente quem é que pode beneficiar [do fundo], mas traça um caminho”, disse à Reuters Yamide Dagnet, da Open Society Foundations.

Mas a segunda versão do documento, a que falava em Estados “particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas”, não teve um acolhimento tão positivo entre os países em desenvolvimento. Porém, um grupo de países desenvolvidos (EUA, União Europeia, Reino Unido e Suíça) insistia nesta fórmula. Durante a noite ainda se discutia a linguagem a utilizar.

Esta proposta da presidência da COP27, ao contrário da apresentada pela União Europeia para a criação de um fundo para perdas e danos, não impõe condições para a sua atribuição.

Uma das condições impostas pela UE era o alargamento da base de financiadores – um sinal dado à China e à Índia, países definidos como “em desenvolvimento” em 1992, quando foi assinada a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, mas hoje grandes poluidores. “Deve ser levada em conta a situação económica dos países em 2022 e não em 1992, que é a proposta do G77 [o grupo de 134 países em desenvolvimento mais a China]”, como disse Frans Timmermans, vice-presidente executivo da UE e líder da equipa negocial europeia.

Outra condição da proposta europeia para criação de um fundo para perdas e danos implica assumir compromissos mais apertados na redução de emissões de gases com efeito de estufa. “Mitigação, adaptação, perdas e danos, tudo isto funciona em conjunto. Se a proposta europeia for aceite, tudo isto funciona como um pacote”, afirmou Frans Timmermans.

Combustíveis fósseis

Mas o puzzle desta COP27 está difícil de montar também por causa do documento proposto para a declaração final. Os países desenvolvidos fazem questão de que tenha um sinal forte de que são necessários mais cortes nas emissões de gases com efeito de estufa que estão a provocar o aquecimento global.

“Sem estes elementos, estaremos cada vez mais longe de atingir o objectivo de limitar o aquecimento global a 1,5 graus acima dos valores anteriores à Revolução Industrial”, comentou Francisco Ferreira, dirigente da associação ambientalista Zero, que dá sinal positivo à posição europeia.

“Não é aceitável que financiemos as consequências das alterações climáticas [o acordo sobre perdas e danos] se não existir ao mesmo tempo um compromisso para trabalhar nessas consequências das emissões”, disse Romina Pourmokhtari, ministra do Clima da Suécia, citada pela Reuters. Os EUA e a União Europeia querem incluir na declaração final da COP27 um sinal forte de que são necessários mais cortes nas emissões de gases com efeito de estufa.

A UE gostaria ainda de ver escrito, preto no branco, o compromisso de diminuir progressivamente o uso de todos os combustíveis fósseis, para além do carvão. Mas este compromisso não está lá; o documento retoma a linguagem que foi usada no ano passado, na COP26, em Glasgow, que menciona apenas a redução do carvão e dos subsídios aos combustíveis fósseis.

Esta ausência tinha sido um dos motivos que levou Frans Timmermans, na manhã de sábado, a considerar a anterior proposta de declaração final da COP27 como inaceitável, e susceptível de o fazer abandonar as negociações. “Tem de ficar claro que mais vale não termos nenhuma decisão do que uma má decisão”, disse aos jornalistas.

À medida que as negociações se prolongam noite dentro, no Twitter, Leo Hickman, director do site Carbonbrief, disse de uma reunião da presidência da COP27 com os dirigentes das delegações nacionais transpirou que a Rússia e a Arábia Saudita afirmam que a inclusão de qualquer menção aos combustíveis fósseis no acordo final é uma linha vermelha.

Outro ponto essencial prende-se com com a falta de ambição do documento. “Para a UE é essencial manter a meta dos 1,5 graus [estabelecida no Acordo de Paris]. Temos de garantir que as conclusões e ambições [de Sharm el-Sheikh] vão além das de Glasgow [a COP26, no ano passado]”, afirmou Timmermans.

“A decisão final da COP27 deve reflectir que continuamos comprometidos com o objectivo de 1,5 graus e reconhecer a descoberta dos cientistas do Painel Internacional para as Alterações Climáticas de que, para que esta meta seja possível, o pico das emissões globais de gases com efeito de estufa tem de ser atingido até 2025” afirmou Tina Stege, enviada especial para o clima das Ilhas Marshall, em nome da Coligação de Alta Ambição (um grupo de cerca de 60 países), citada pelo Guardian.

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