Memórias felizes, muito, pouco ou nada

Tendemos a isolar-nos com a sensação de que ninguém vive o mesmo que nós, que ninguém está tão mal como nós, ninguém tem tantos desafios como os nossos desafios.

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"Novembro traz o cheiro a castanhas e também o balanço de final de ano" Nelson Garrido/Arquivo

Frequentemente recebo pessoas com dificuldade em lembrar-se da última vez que foram felizes. Estados de ansiedade (preocupação excessiva) ou depressão (tristeza) limitam o acesso às nossas memórias felizes e traz a sensação de que vamos ficar assim para sempre. Tendemos a isolar-nos com a sensação de que ninguém vive o mesmo que nós, que ninguém está tão mal como nós, ninguém tem tantos desafios como os nossos desafios.

Novembro traz o cheiro a castanhas e também o balanço de final de ano. Parando para reflectir a descascar castanhas assadas com pedrinhas de sal, relembro o desafio de muitas pessoas que procuraram ajuda em consultório este ano. Depois da pandemia e do confinamento, chega 2022 para nos mostrar que afinal era mesmo possível voltar ao normal. Não “a um novo normal”, simplesmente ao “normal”. Um normal que abruptamente nos exige: Actuar, familiarizar, trabalhar, socializar ou namorar, como se os últimos dois anos não tivessem acontecido.

Desafiante, pois se para alguns o processo foi mais fácil, para outros bastante difícil, mas o sofrimento continua a ser silencioso ou partilhado no consultório de psicologia mais próximo, e por isso muitos preferem não revelar as suas dores. Longe das dores, não significa sem dores, pelo contrário, significa ter dores silenciosas, por isso torna-se urgente podermos criar novas possibilidades para estas dores. E uma delas é contribuirmos activamente para a conta poupança de emoções prazerosas de quem nos rodeia, dos nossos e até da nossa comunidade.

O conceito de felicidade mudou nos últimos anos, mas as memórias felizes continuam a ser parte fundamental do processo, pois mudam simplesmente a recuperação da adversidade que vivemos. Pode ser o pior momento das nossas vidas, mas com uma boa dose de memórias felizes é possível recuperar alegria e bem-estar.

Costumo falar em conta poupança de emoções prazerosas e da importância de termos saldo positivo para lidar com as perdas. Normalmente falo de fontes de bem-estar, que enquanto adultos tendemos a trocar pelas obrigações e responsabilidades, mas hoje vou falar de memórias. Como podemos carregar a nossa conta poupança de memórias felizes e contribuir para a felicidade alheia?

Algumas dicas para criar memórias felizes:

  • Procurar experiências novas com as pessoas que nos rodeiam. A primeira vez marca muito.
  • Usar os vários sentidos. As memórias felizes vão além da visão. Relembre o cheiro do colo da sua avó? Dos lanches da mãe ou até de casa daquele amigo? Cheiros, música ou sabores, podem ser reforçados quando vivemos um bom momento. Se tivesse que criar a banda sonora da sua amizade este ano, quais seriam os ritmos? Se fosse um jantar que representasse a sua relação, como seria a ementa? Junte-se e use os sentidos.
  • Registar os momentos felizes. Mesmo escrevendo, dando-lhes tanta atenção como se daria à instrução de um chefe ou polícia perante uma nova tarefa.
  • Contar histórias e partilhá-las. Relembrar é viver.
  • Criar rituais, com amigos, com a família ou simplesmente sozinho/a.

E por aí, juntam-se a nós? O que vos deixa felizes?

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