Ultra-rápida e ultratecnológica: a moda não é sustentável mas é em tempo real

Durante a sua apresentação na WebSummit, Tang convidou-nos a trabalhar para a Shein o que, considerando o documentário da jornalista Iman Amrani, pode ser assustador.

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A Shein começou por usar marketing baseado em SEO Reuters/Dado Ruvic

Em Lisboa, a WebSummit recebeu Donald Tang para falar sobre a Shein enquanto empresa de tecnologia. Singapura recebeu a Global Fashion Summit, ligando os diferentes elementos da cadeia de valor da indústria da moda para promover a diversidade e fomentar a criação de alianças entre as diferentes partes que constituem esta indústria. Eu não consegui deixar de me surpreender porque, no contexto da sociedade digital, não há empresa de grande consumo que não seja tecnológica.

A optimização da moda

A Shein começou por usar marketing baseado em search engine optimization (SEO), ou seja, descobriu uma forma de as nossas pesquisas encontrarem o seu site e os seus produtos.

Depois evoluiu para a utilização de um algoritmo que identifica tendências de pesquisa de peças de roupa, mapeando também a concorrência.

Esta informação alimenta a criatividade dos estilistas que desenham aquilo que o consumidor quer comprar. O processo expande-se a toda a cadeia de produção, eliminando processos e intermediários, ao mesmo tempo que ultrapassa as restantes marcas de moda.

A seguir dominou as redes sociais, criando um exército de utilizadores para promover a marca. Só a hashtag #shein tem mais de 6,8 mil milhões de publicações, multiplicando-se por outras associadas, num processo de estímulo ao consumo que é, pela sua natureza, insustentável, tal como é insustentável o modelo de negócio que permite a total personalização e influencia o consumidor através das sugestões que o algoritmo das redes filtra e lhe oferece: um mundo bonito na palma da mão.

Durante a sua apresentação na WebSummit, Tang convidou-nos a trabalhar para a Shein o que, considerando o documentário da jornalista Iman Amrani, pode ser assustador. Untold: Inside the Shein Machine revela que os trabalhadores da empresa ganham menos de 3 pence (3,45 cêntimos) por cada peça de roupa que produzem, trabalham 18 horas por dia, não têm direito a fim de semana e só têm uma folga por mês.

Esta é a mesma empresa que já tantas vezes foi acusada de roubar o design de outras marcas e criadores e que, no mesmo dia em o documentário foi lançado, apresentou uma plataforma de venda em segunda mão para promover a sustentabilidade e permitir revender as peças da marca. Isto chama-se greenwashing e é uma estratégia recorrente nas maiores empresas da indústria da moda.

Cadeias de produção de baixo impacto

No discurso sobre a Shein, Tang evitou os temas quentes, como as condições laborais ou o design, destacando o sistema tecnológico da empresa que garante uma rápida e eficiente produção, com apenas 2% de desperdício. Do outro lado do mundo, em Singapura, o tema era o das alianças para uma nova era, desenvolvendo perspectivas e relações na cadeia de produção para diminuir o impacto ambiental da indústria da moda, ou seja, como continuar a produzir com menor impacto?

Tal como a Shein fez referência, a moda é hoje uma indústria baseada na tecnologia e este foi um dos temas que se destacaram no Global Fashion Summit, em Singapura.

A preocupação com a sustentabilidade abarca todos os aspectos da indústria. A tecnologia está a fornecer informação que transforma métodos de produção e representa a transição para um consumo mais sustentável. Neste contexto, como enquadrar uma empresa cujo modelo de negócio se baseia na rápida obsoletização das tendências e do produto que vende, num processo que produz mais de 500 peças por dia, entrega em dez a 14 dias, e com uma rotatividade de produto que provoca acumulação?

Entrei, pela primeira vez na loja Shein para escrever este artigo. Encontrei de imediato peças com óbvia inspiração no design de outras marcas muito conhecidas em Portugal e no mundo. Percebi a agressividade do marketing da marca. É um modelo de negócio para consumidores ávidos de novidade e muito desatentos. Ou seja, todos nós.

A trend chamada ambiente

O factor preço prova que a Shein não pode ter grandes preocupações ambientais ou sociais porque não é possível inundar o mercado com produtos de qualidade a preços tão baixos.

Cabe ao consumidor ter essa preocupação ou são as empresas que têm, por obrigação, de oferecer um produto sustentável?

No Global Fashion Summit encontrei duas empresas que estão a contribuir para promover a mudança a partir do centro da indústria: A Compreli evita o desperdício recuperando as peças estragadas durante o processo de produção e que podem, desta forma, ir para o mercado (menos desperdício, menor descarte e menos peças que serão destruídas).

A ID Factory garante o mapeamento da cadeia de produção, promovendo a transparência e eficiência para a gestão de processos, um factor decisivo porque apenas 10% das marcas tem a real noção do que acontece entre o momento em que o desenho entra na fábrica e a peça chega à loja. Desta forma, violações de direitos humanos ou impacto ambiental podem facilmente ser identificadas, garantindo que a marca pode ser sustentável.

Além das iniciativas e avanços que estão a acontecer dentro da própria indústria, escrutinando as grandes marcas e oferendo produtos e serviços que contribuem para as tornar mais sustentáveis, a verdade é que a moda é sempre um reflexo da sociedade. Como uma das indústrias mais poluentes, com menor regulação e piores condições laborais, a moda reflecte aquilo que somos enquanto sociedade: egoisticamente focados no nosso pequeno universo, que queremos bonito e sem reflexo das consequências das nossas escolhas ou seja, ultra fast e altamente personalizada mas nada sustentável.

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