Aliados de Lula tentam desarmadilhar Orçamento de Bolsonaro

Geraldo Alckmin começou a negociar com deputados e senadores mudanças no Orçamento desenhado pelo Governo cessante. Ensaiam-se as primeiras aproximações ao “centrão”.

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Geraldo Alckmin lidera a equipa de transição governamental ADRIANO MACHADO / Reuters

Um dos principais desafios do futuro Governo de Lula da Silva é a negociação do Orçamento herdado de Jair Bolsonaro com o Congresso federal. A equipa de transição começou nesta quinta-feira a tentar encontrar forma de incluir no documento algumas das promessas de campanha do ex-Presidente, num processo que vai permitir vislumbrar as condições de governabilidade no futuro.

Lula foi eleito e vai começar a governar a 1 de Janeiro de 2023. Porém, o Orçamento da União que vai gerir os gastos e receitas na esfera federal a partir dessa data foi desenhado pelo executivo de Bolsonaro e é considerado uma “ficção” por parte da equipa de transição governamental. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem caracterizado a proposta de Orçamento que será herdada por Lula como um presente envenenado ou uma armadilha para tornar ainda mais árduos os primeiros tempos do novo Governo.

Os críticos do documento dizem que foi baseado em indicadores pouco rigorosos e que inclui cortes em áreas prioritárias, como a educação ou a saúde. Tal como se encontra, o Orçamento não prevê sequer gastos para cobrir promessas da campanha do próprio Bolsonaro, como a manutenção do valor do Auxílio Brasil em 600 reais (120 euros) – Lula também se comprometeu a manter o subsídio.

Ao todo, calcula-se que haja um défice no Orçamento de 175 mil milhões de reais (35 mil milhões de euros), cuja inclusão começa agora a ser alvo de uma intensa negociação entre o futuro Governo e o Congresso.

“Não tem recurso para o Bolsa Família [Auxílio Brasil], para Farmácia Popular, para saúde indígena, para merenda escolar. São muitas as deficiências do Orçamento”, disse nesta quinta-feira o deputado Marcelo Castro, que é o relator do Orçamento.

O caminho para assegurar que a 1 de Janeiro o próximo Governo tenha em mãos um Orçamento “desarmadilhado” foi iniciado nesta quinta-feira. O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, que chefia a equipa de transição governamental, participou nos primeiros encontros com congressistas para encontrar soluções para reformular o Orçamento para o próximo ano, naquela que é considerada uma das missões mais importantes deste período de dois meses.

As negociações entre a equipa de transição e os parlamentares representam um barómetro para aferir qual é o ambiente geral no Congresso face ao novo Governo. Como é habitual, o executivo que será liderado por Lula da Silva não dispõe de uma maioria parlamentar que apoie as suas iniciativas legislativas e, por isso, terá de procurar entendimentos com as bancadas do “centrão”, a numerosa constelação de deputados federais que têm disponibilidade para apoiar o Governo em funções a troco de recursos e cargos.

Durante a segunda parte do mandato de Bolsonaro, este grupo foi crucial para blindar o Presidente de inúmeros pedidos de destituição, para além de lhe garantirem apoio legislativo. Para isso foi instrumental a eleição de Arthur Lira como presidente da Câmara dos Deputados, em Janeiro de 2021, que se tornou um importante aliado de Bolsonaro. Um instrumento que cimentou a relação fisiológica entre o Governo e o Congresso foi o chamado “orçamento secreto”, uma manobra de gestão orçamental que permitiu, na prática, a abertura de um canal de distribuição de financiamento público para ser usado por deputados próximos do executivo nos seus círculos eleitorais.

A manutenção desta prática é um dos assuntos que devem dominar as negociações para que o “centrão” integre a base de apoio do futuro Governo. Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu acabar com o “orçamento secreto” – que está a ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal actualmente –, chegando a descrevê-lo como a “maior bandidagem em 200 anos”.

No entanto, escassos dias após a eleição, o discurso entre o círculo mais próximo de Lula parece estar a mudar e contempla-se a possibilidade de se manterem as emendas do relator, embora com alguns ajustes. “As emendas podem ser usadas para medidas que o Presidente Lula apresentou, como o aumento do Auxílio Brasil, e a recomposição do orçamento de programas sociais”, disse à Folha de S. Paulo a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

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