Expansão de veículos eléctricos ameaçada por cadeia de abastecimento “frágil e volátil”

Um relatório da S&P Global Mobility alerta para as dificuldades que a expansão dos veículos eléctricos enfrenta, numa altura em que a Europa já decretou a morte dos motores a combustão.

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A futura instalação da refinaria de litio da Galp e Northvolt, em Setúbal Daniel Rocha/Arquivo

Apenas três dias depois de firmado o acordo para o fim da comercialização de veículos ligeiros comerciais e de passageiros com motores a gasolina ou a gasóleo em 2035, na União Europeia, um relatório da S&P Global Mobility veio alertar para as dificuldades que a expansão dos veículos eléctricos enfrenta. Tudo por causa da produção das baterias, dependente de uma cadeia de abastecimento de matérias-primas decisivas de “natureza frágil e volátil”, ameaçada por tensões geopolíticas.

“Elementos como o lítio, níquel e cobalto não surgem do nada e transformam-se em baterias de veículos eléctricos e outros componentes por magia​”, escreve Graham Evans, director do departamento de analistas de cadeias de abastecimento e de tecnologia da S&P Global Mobility.

Como explica, “a cadeia de desenvolvimento é longa e complexa, desde a sua dificuldade de extracção até à sua complicada refinação” e as complicações não se ficam por aqui. “As etapas intermediárias entre a escavação e a montagem final são um ponto de estrangulamento particular em termos de perícia e presença no mercado”, esclarece.

O provedor de informações da indústria automobilística diz ainda que, à medida que se luta por matérias-primas e com a procura anual de baterias de iões de lítio — que não tem sido satisfeita —, as aspirações de venda de veículos eléctricos e híbridos por parte dos fabricantes de equipamentos vão enfrentar fortes contrariedades.

A estes contratempos a S&P Global Mobility junta os preços crescentes dos metais fundamentais para fazer as baterias (o níquel, por exemplo, atingiu o valor máximo dos últimos 14 anos em Abril e o preço do lítio, num só ano, quintuplicou). É que matérias-primas mais caras só podem ter dois desfechos no fim da linha: produto mais caro (e eventualmente difícil de escoar) ou emagrecimento das margens de lucro.

No entanto, a instituição chama a atenção para a importância de responder a questões fulcrais: “Quem precisa do quê, de onde virá, quem a fornecerá e quem está mais bem posicionado para beneficiar desta crescente dependência de um punhado de elementos decisivos?”

No início de Outubro, a Reuters avançou que os principais fabricantes planeiam gastar quase 1,2 biliões (de milhões de milhões) até 2030 para desenvolver e produzir milhões de veículos eléctricos, juntamente com baterias e matérias-primas. Mas “atingir as suas metas de volume exigirá uma curva de crescimento acentuada para uma indústria em expansão”, avalia o relatório.

No caso da Tesla, actualmente líder na venda de veículos eléctricos, as necessidades de níquel até 2030 são de cerca 139 mil toneladas métricas. Mas, ressalva o relatório, publicado na segunda-feira, é expectável que os grupos Volkswagen, General Motors e Stellantis venham a ultrapassar essa necessidade de níquel à medida que cerram fileiras no desenvolvimento de baterias modulares.

Paralelamente, podem não faltar fornecedores nem transformadores, mas a sua distribuição geográfica é motivo de preocupação – por exemplo, para o processo de conversão para sulfato de níquel, das 16 empresas aptas a realizá-lo 11 têm sede na China continental.

No caso do cobalto, a S&P Global Mobility lembra que o seu maior fornecedor é a República Democrática do Congo, onde as Nações Unidas descrevem uma crise humanitária que afecta 27 milhões de pessoas, sublinhando a existência de práticas de trabalho infantil. Isso não significa que se interrompam os trabalhos: estima-se, aliás, que a produção aumente até 2030.

No entanto, lembra o organismo, a entrada em campo de países como a Austrália e a Indonésia, mas também, com menor importância, a Finlândia, Marrocos e Vietname, irão tornar os mercados menos dependentes da República Democrática do Congo.

​O que parece certo para já é que a China permanecerá na dianteira “das operações estabelecidas de fornecimento e processamento de baterias”, continuando a liderar o fornecimento mundial de baterias de iões de lítio e os seus elementos-chave.

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