Maud, a holandesa que quer dar “voz e palco” às mulheres enólogas, começou por Portugal

O projecto Made With Maud propõe-se combater a desigualdade de género e lutar pela diversidade e a inclusão. Um encontro inesperado em Lisboa fez com que o vinho português fosse a primeira aposta.

Foto
A enóloga Patrícia Santos foi a primeira a entrar no projecto Made With Maud Rui Pina

Parecia muito improvável que alguma vez Maud Kleuskens tivesse o seu nome ligado ao vinho – e, ainda mais, ao vinho português. Grande parte da vida desta holandesa de sorriso franco foi ligada às tecnologias da informação, num mundo empresarial que conheceu por dentro, nas vantagens e nos defeitos. E houve um defeito que a perturbou particularmente: as mulheres representam apenas 10% e temas como a igualdade, a diversidade ou a inclusão estão completamente afastados das agendas.

Andava a lidar com a frustração que esta situação lhe causava quando, numas férias em Lisboa, conheceu o produtor de vinho Elias Macovela. “Começámos a falar das nossas paixões na vida”, conta Maud à Fugas. “O Elias falou da paixão dele pelo vinho e percebemos que, embora em áreas diferentes, tínhamos muito em comum.”

De vinho, Maud sabia muito pouco, mas Elias explicou-lhe que este é um mundo no qual continua a haver também problemas de desigualdade e muitas vezes as mulheres enólogas lutam com dificuldades que os seus colegas homens não enfrentam. “Se falamos de desigualdade, eu tenho muita experiência disso”, continua Maud. “Fui vítima de abuso sexual quando tinha 14 anos, mais tarde vi-me envolvida num acidente, fiquei numa cadeira de rodas alguns anos e andei com muletas durante vários. Enfrentei muita intimidação e assédio.” Histórias que, garante, são comuns até num país como a Holanda e numa cidade como Amesterdão.

“Quando conheci o Elias, fechou-se o círculo e ficou muito claro o que eu precisava de fazer.” Tinha tomado uma decisão: ia dar condições para que enólogas portuguesas fizessem vinho em nome próprio, e ia dar-lhes palco e visibilidade. Elias falara-lhe de Patrícia Santos, enóloga de Viseu, criadora do vinho Rosa da Mata e responsável por projectos no Dão e na Beira Interior. “Eu perguntei ‘O que é que podemos fazer para lhe dar um palco e uma voz?’. Ele disse ‘Umas 2000 garrafas’ e eu pensei ‘Oh, meu Deus, 2000? É muito. ‘Fiz umas contas num papelinho, ok, consigo pagar. Não conhecia a Patrícia, não sabia se ela fazia vinagre ou vinhos muito bons, mas senti-me bem, confio no Elias.”

Foto
Maud Kleuskens dr

Nasceu assim o projecto Made With Maud, cujos lucros revertem para uma fundação que se propõe ajudar mulheres por todo o mundo. “Fizemos as 2000 garrafas, que agora já são 20 mil, um pouco mais, e já trabalhamos com uma segunda enóloga portuguesa [Cláudia Gomes, e entretanto também uma terceira, Marta Lourenço].” O mundo que se abriu a Maud foi uma total novidade. “O vinho não me era familiar. Gostava ou não gostava. Agora provo muito, o Elias ensinou-me muito, disse que se eu provasse e cheirasse aprendia a apreciar o vinho de formas diferentes. Encontrei neste mundo pessoas muito apaixonadas pelo que estão a fazer. Foi isso que me fez apaixonar também: as pessoas, os produtos e o facto de podermos fazer alguma coisa com isso.”

As garrafas têm a assinatura da enóloga, mas têm também uma frase, como esta “Only when diverse perspectives are included and valued we get a full picture of the world” (algo como “só quando diversas perspectivas são integradas e valorizadas é que temos uma imagem completa do mundo”) ou esta “Finally, when I open my heart, my mind is free” (“por fim, quando abro o meu coração, a minha mente liberta-se”).

Não são palavras de ordem directas ou mensagens abertamente sobre o projecto. Trata-se de outra forma de comunicar ideias. “O que eu quero é criar consciência”, afirma. “Se gritarmos e berrarmos, não creio que consigamos criar isso. De todas as mensagens que lançamos para o mundo, cada pessoa tira aquilo com que consegue lidar. São pequenos passos. Se as pessoas acharem que o rótulo é fixe, se gostarem do grafismo e do vinho, podem dar uma garrafa como presente e a outra pessoa diz ‘Ah, isto é sobre igualdade de género’.”

Reconhece que, ao lançar-se nesta missão utilizando o vinho feito por enólogas portuguesas, não escolheu “o caminho mais fácil”. “Não são vinhos tão conhecidos na Holanda como os espanhóis, os franceses ou os italianos. Mas há uma tendência crescente, as pessoas estão a escolher mais vinhos portugueses. O que eu gostaria era que evoluíssemos para uma situação em que o importante não é de onde o vinho vem, mas se ele sabe bem, por quem é feito e como é feito. Não usamos químicos nem pesticidas, as nossas uvas são sustentáveis. Espero que possamos mudar a forma como as pessoas olham o vinho.”

Sugerir correcção
Comentar