“Elnaz é uma heroína”, gritaram centenas de iranianos na chegada da escaladora a Teerão

Com “paz de espírito”, depois de muita “tensão” e “stress”, a escaladora iraniana que competiu sem hijab regressou ao Irão. Familiares e amigos temiam que tivesse sido detida.

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“Foi um acidente”. Escaladora iraniana que competiu sem hijab foi recebida por multidão em Teerão Reuters, Joana Gonçalves

Ainda é cedo para saber se a carrinha em que Elnaz Rekabi deixou o aeroporto Imã Khomeini na madrugada desta quarta-feira a levou para casa. Certo é que a escaladora que desafiou o regime iraniano ao competir sem hijab (lenço islâmico) na Coreia do Sul – media iranianos da diáspora e a BBC noticiaram que o seu telefone e passaporte tinham sido confiscados – aterrou em Teerão. À chegada, repetiu a versão publicada na véspera na sua conta de Instagram, afirmando que a falta de hijab não tinha sido “intencional”. As centenas de iranianos que a esperavam a gritos de “heroína” não acreditam.

As imagens de Rekabi no aeroporto, onde chegou às 5h e fez breves declarações à televisão estatal, mostram-na incomparavelmente mais tensa do que o vídeo da atleta a preparar-se para entrar em competição a escalar na prova de domingo, no pavilhão do Parque Gwangnaru Hangang de Seul. “Como estava ocupada a calçar-me e a pôr o meu equipamento, isso fez com que me esquecesse de pôr o meu hijab e depois fui competir”, disse a atleta à chegada. “Voltei ao Irão com paz de espírito apesar de ter tido muita tensão e stress. Mas até agora, graças a Deus, nada aconteceu.”

Rebaki tinha competido de cabelo coberto na primeira vez que entrou em prova no Campeonato Asiático Federação Internacional de Escalada Desportiva, como fez em todas as competições da sua longa e medalhada carreira. Sempre, até às finais de domingo.

Seria uma grande coincidência que a única vez que se esquecesse de usar o lenço obrigatório para todas as iranianas acontecesse quando o regime da República Islâmica enfrenta a maior contestação em muitos anos, desencadeada pela morte de Maha Amini quando estava sob custódia da “polícia da moralidade” – detida por alegadamente usar o seu hijab de forma incorrecta, deixando à vista parte do cabelo. No domingo, dia em que Rekabi se deixou ver sem hijab, cumpria-se precisamente um mês desde a morte de Amini e desde que milhares de iranianas começaram a protestar tirando e queimando os seus hijab, ou cortando o cabelo em público.

Notando que a frase gritada pelas centenas de pessoas que esperavam a atleta em Teerão também pode ser traduzida como “Elnaz é uma campeã” (“a palavra ‘ghahreman’ tanto pode significar campeã como heroína”), o jornalista Shayan Sardarizadeh considera que neste caso “as duas traduções são válidas”. “Para os que não estão familiarizados com o Irão, o que Elnaz Rekabi disse na entrevista no aeroporto foi basicamente o que tinha de dizer para garantir a sua segurança e a segurança da sua família. As autoridades iranianas têm um longo currículo de confissões forçadas e sob ameaça”, escreve no Twitter Sardarizadeh, que investiga a desinformação online e extremismo para a BBC.

Na terça-feira, a BBC noticiara que Rekabi estava em viagem para Teerão, antes do esperado e citava “fontes bem informadas” que diziam que o passaporte e o telemóvel da escaladora tinham sido confiscados. Familiares e amigos da escaladora, acrescentava, não conseguiram contactá-la desde segunda-feira e estavam preocupados com “a sua segurança”.

Ao mesmo tempo, o jornal online IranWire, fundado pelo jornalista iraniano-canadiano Maziar Bahari (que é também cineasta e activista dos direitos humanos e já esteve detido no Irão), noticiava que Rekabi teria sido atraída à embaixada iraniana com garantias sobre a sua segurança. De acordo com fontes no Irão, o site escrevia que a atleta seria “transferida directamente do aeroporto para a prisão de Evin”, onde a República Islâmica encarcera os presos políticos.

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