Não existem cães agressivos, mas sim “pouco sociabilizados”: como ler sinais e prevenir ataques

Os cães só atacam por medo ou protecção e, na grande maioria da vezes, por causa de situações provocadas pelos donos. Permitir que o animal esteja perto de diferentes pessoas e cães, não o irritar nas brincadeiras e habituá-lo ao cheiro de uma criança são alguns dos conselhos.

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Os cães atacam por medo ou protecção do dono ou da casa Miguel Manso

Uma criança de um mês morreu esta terça-feira depois de o cão da família a ter atacado. O acidente, que aconteceu dentro da habitação e quando a mãe do bebé se ausentou, está agora a ser investigado pelo Ministério Público, não se conhecendo ainda os contornos do ataque.

Não é a primeira vez que acontecem ataques com cães de família em Portugal, mas especialistas ouvidos pelo P3 destacam, desde logo, que os animais não o fazem por maldade. Geralmente, o cão depara-se com uma situação de disputa pelo seu território, emite sinais a dizer que não está a gostar, mas o dono não se apercebe.

“Não há nenhum animal que seja potencialmente agressivo ou perigoso. O que há são animais que não foram bem sociabilizados ou bem-educados e donos que não deveriam ter estes animais, mas têm”, começa por explicar ao P3 o médico veterinário Rui Fernandes, da clínica AnimaisVet.

Em Agosto de 2012, uma mulher morreu depois de ter sido mordida na garganta pelo cão do filho, uma mistura de leão da rodésia e pitbull. Neste caso, o cão era considerado de uma raça potencialmente perigosa, mas, sublinha o veterinário, em regra os animais atacam porque reagem a estímulos emitidos pela pessoa — neste caso, foi o pau que a mulher tinha na mão e que se recusou a dar ao animal –, o que não quer dizer que procurem o confronto.

Normalmente, diz, os cães atacam por dois motivos: medo ou protecção do dono e da casa. A primeira reacção acontece com os animais que foram alvo de maus-tratos, enquanto a segunda “surge em raças como os pastores alemães”, explica Rui Fernandes.

“A principal causa é um fenómeno chamado guarda de recurso, ou seja, possessividade dos cães para com as pessoas. Morder os donos, as visitas e os amigos que frequentam a casa é habitual”, destaca Sílvia Machado, directora do Instituto Animal e especialista em comportamento animal.

Na grande maioria das vezes, são os donos que promovem este tipo de reacções nos animais, por exemplo, quando lhe tocam na ração ou se os proibirem de entrar num espaço da casa onde sempre puderam estar. Estes comportamentos são normais, no entanto não é aceitável que os cães mordam os donos. “É possível educá-los para que casos como estes não aconteçam”, assegura o treinador de cães Octávio Pinão, da Positive Way Animals.

Reunimos as quatro principais dicas sobre os cuidados a adoptar (e os comportamentos a evitar) na relação entre a família e o animal, com especial destaque para quem tem crianças.

Educar o cão desde pequeno

A socialização do animal, com humanos e outros cães, deve acontecer a partir do momento em que chega à família. Octávio Pinão explica que “o período crucial para a socialização é entre as quatro e 12 semanas de idade do animal”.

Nesta fase, os cães ainda não têm a vacinação completa e muitos veterinários aconselham que o animal não saia de casa, mas o treinador sugere o contrário: os cães podem ser passeados, desde que estejam sempre no colo dos donos.

Terminado este período, inscrever o animal numa escola de treino, levá-lo a parques e esplanadas e pô-lo em contacto com crianças e outros cães vai prepará-lo “para, no futuro, saber lidar com essas situações”, explica.

Da mesma forma, uma das coisas comuns durante as brincadeiras (e que nunca deve ser feita) é irritar o cão só para o ouvir rosnar. Estes episódios vão acabar por ser cada vez mais frequentes ao longo do tempo e podem dar origem a ataques independentemente da relação com o dono ou qualquer outro elemento da família. “Se o animal for educado desde pequeno, a possibilidade de atacar pessoas é muito reduzida”, sinaliza o veterinário Rui Fernandes.

Aproximação gradual à criança

Quando existem crianças em casa, a aproximação do cão deve ser gradual. No caso de o animal ter chegado primeiro, uma das sugestões é habituá-lo ao choro e, quando o bebé já tiver nascido, “colocar peças de roupa da criança perto dele” para não estranhar o cheiro, adianta Sílvia Machado.

Um passo fundamental para que isto resulte é fazer o chamado reforço positivo, ou seja, dar guloseimas ao cão para que este associe o novo cheiro a emoções positivas e se habitue a outra presença na casa.

Vigiar os comportamentos do animal

Terminado este passo, o animal não deve aproximar-se sem vigilância, mas também não é correcto distanciá-lo da criança. “Quando chegam a casa, um erro que muita gente comete é proteger muito o bebé que fica numa espécie de cofre e dali não passa mais ninguém. Isso vai gerar ansiedade nos cães e nos gatos que acabam por desenvolver problemas urinários motivados pelo stress, porque antes podiam ir para o quarto e agora não”, explica Rui Fernandes.

Isto não quer dizer que impedir o cão de entrar na divisão onde está o bebé seja errado, mas esta proibição deve ser aplicada antes do nascimento da criança. “Os cães aprendem por associação. Se eles associarem que foi desde que o bebé chegou que deixaram de ter menos atenção dos donos, de ter passeios tão estimulantes em termos olfactivos, colo e dormir na cama deles [donos], podem acontecer acidentes”, destaca Sílvia Machado.

Segundo a directora do Instituto Animal, o grito mais estridente de uma criança pode ser o estímulo suficiente para o cão atacar. "Toda a gente acha que o cãozinho delas não vai morder, mas todos os cães mordem”, acrescenta.

Não é só o animal que deve ser corrigido

A preparação deve existir de ambas as partes, inclusive nas crianças. para que percebam o que não devem fazer quando se aproximam do animal. “Puxar as orelhas, a cauda ou o pêlo” são apenas três dos exemplos que podem enfurecer qualquer cão, mesmo os mais tranquilos, sinaliza Octávio Pinão.

“Os cães atacam por competição, seja pela comida ou pelo espaço. Vai haver a situação em que o bebé vai puxar-lhe a cauda e tirar-lhe o prato da comida”, descreve Rui Fernandes. Em resumo: “Os donos têm de estar atentos.”

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