Porque é que os mísseis russos na Ucrânia têm um impacto limitado?

Os maiores ataques da Rússia desde o início da invasão mataram pelo menos 19 pessoas. Analistas dizem que os bombardeamentos tiveram um custo elevado, diminuíram o número de mísseis disponíveis, não atingiram grandes alvos militares e não deverão alterar o curso da guerra.

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Pelo menos 19 pessoas morreram nos ataques russos à Ucrânia na passada segunda-feira Reuters/VALENTYN OGIRENKO

Os maiores ataques aéreos da Rússia contra a Ucrânia desde o início da invasão mataram pelo menos 19 pessoas, levaram milhares de ucranianos de volta aos abrigos antiaéreos e afectaram o fornecimento de electricidade em centenas de localidades.

Os ataques foram elogiados em Moscovo, já que algumas autoridades russas consideraram a acção um ponto de viragem que demonstrou a determinação russa na sua “operação militar especial” na Ucrânia.

No entanto, os analistas militares ocidentais dizem que os ataques tiveram um custo elevado, diminuíram o número de mísseis de longo alcance disponíveis, não atingiram grandes alvos militares e é pouco provável que alterem o curso de uma guerra que corre mal para Moscovo.

“A Rússia vai precisar de mais mísseis para fazer ataques deste tipo, uma vez que está a ficar sem stock e os ucranianos reclamam uma elevada taxa de sucesso na intercepção de muitos dos já utilizados”, escreveu Lawrence Freedman, professor de Estudos de Guerra na Universidade de King's College, em Londres.

“Esta não é, portanto, uma nova estratégia vencedora de guerra, mas sim a birra de um sociopata.”

Como são retratados os ataques na Rússia?

O Presidente Vladimir Putin classificou os ataques como sendo uma resposta ao que ele chamou “ataques terroristas”​ por parte da Ucrânia, fazendo especial referência a uma explosão, no passado domingo, que danificou a ponte que liga a Rússia à Crimeia, construída após a anexação da península, em 2014.

Ramzan Kadyrov, o líder da região tchetchena da Rússia (e fiel a Putin), afirma apoiar a 100% a estratégia do Presidente russo.

Margarita Simonyan, responsável da RT (canal estatal russo), disse que Moscovo está à espera do momento perfeito para demonstrar a sua força. Citando um provérbio, escreveu nas redes sociais: “Um russo arreia os seus cavalos lentamente, mas monta-os rapidamente.”

Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança de Putin, disse que a Rússia seria agora capaz de alargar os seus objectivos: “O objectivo das nossas acções futuras, na minha opinião, deveria ser o desmantelamento completo do regime político da Ucrânia”, afirmou.

Poderá a Rússia continuar com estes bombardeamentos?

A Ucrânia diz que a Rússia disparou 83 mísseis na passada segunda-feira e que abateu pelo menos 43 deles. Moscovo, por sua vez, diz que disparou mais de 70 e que todos os seus alvos foram atingidos. Ambos os lados dizem que o ataque foi em grande escala. Estima-se que cada míssil de cruzeiro Kalibr custe mais de 6,5 milhões de dólares, o que significa que Moscovo disparou cerca de meio milhar de milhão de dólares em mísseis num único dia.

Os analistas ocidentais não têm números fechados quanto à quantidade de mísseis que a Rússia ainda possui, mas há meses que apontam para indicadores que sugerem que o fornecimento é limitado.

Já em Julho, Joseph Dempsey e Douglas Barrie, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, observaram que a Rússia estava a utilizar cada vez mais mísseis antinavegação para atingir alvos no terreno. Isto “sugere que Moscovo está a ter de reunir mais cuidadosamente os seus restantes recursos de mísseis de cruzeiro armados convencionalmente”, escreveram.

A Ucrânia pode proteger-se a si própria?

O Presidente Volodymyr Zelensky disse que a sua prioridade é assegurar mais sistemas de defesa aérea para a Ucrânia. Os líderes ocidentais, incluindo o Presidente dos EUA, Joe Biden, prometeram mais desses sistemas, mesmo reconhecendo que a respectiva entrega poderá demorar.

A Ucrânia depende agora de sistemas de defesa aérea da era soviética, tais como o S-300. Washington prometeu há vários meses enviar o seu sofisticado sistema NASAMS, mas disse em finais de Setembro que a entrega ainda demoraria cerca de dois meses.

Na prática, especialistas militares dizem que a Ucrânia provavelmente nunca conseguirá defender toda a sua área terrestre — a segunda maior da Europa — dos ataques.

As defesas aéreas, tais como o sistema de mísseis Patriot dos EUA, são concebidas principalmente para proteger alvos específicos e de alta prioridade. Outros podem proporcionar uma protecção mais ampla, mas sobre uma área relativamente pequena.

“Resumindo: tal como foi difícil impedir Saddam de lançar SCUD, e por muito que queiramos ajudar a Ucrânia, é um desafio combater completamente todos os crimes de guerra de Putin, que infelizmente incluem o lançamento de ataques de mísseis contra alvos civis”, disse Mark Hertling, antigo comandante das forças terrestres dos EUA na Europa.

Ainda assim, os ataques de segunda-feira parecem mostrar que a Ucrânia está longe de estar sem armamento. Embora a afirmação de Kiev de ter abatido mais de metade dos mísseis seja impossível de verificar, a Rússia não atingiu quaisquer alvos com o maior valor estratégico, tais como edifícios de liderança na capital, que provavelmente terão sido mais bem protegidos.

O que se segue?

A Rússia ainda enfrenta as mesmas dificuldades estratégicas que enfrentava antes dos ataques de segunda-feira: forças desmoralizadas e mal equipadas espalhadas por uma linha de frente de 1000 km, com longas linhas de abastecimento vulneráveis a ataques ucranianos.

As vantagens iniciais da Rússia, sobretudo o enorme poder de fogo, permitiram-lhe destruir e capturar cidades durante os meses de Maio a Julho. Mas desde Setembro que as suas forças de artilharia pesada se têm revelado uma fraca aposta para defender o território ocupado face a unidades de artilharia ucranianas cada vez mais bem equipadas.

Ben Hodges, outro ex-comandante das forças militares dos EUA na Europa, disse que, apesar dos ataques de segunda-feira, a Ucrânia ainda parece ter um “ímpeto irreversível” no campo de batalha. “O sistema logístico da Rússia está esgotado e nenhum russo quer lutar na guerra de Putin”, escreveu no Twitter.

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