O pior inimigo das alterações climáticas? A extrema-direita

É demasiado cedo para dizer como os novos governos italiano ou sueco irão agir sobre as questões climáticas, mas se padrões de comportamento e a história são de alguma referência, o futuro não se afigura verde.

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EPA/Tamas Vasvari

Setembro, o fim do solstício de Verão no Hemisfério Norte e o portador de um esquisito tempo-limbo um pouco por todo o globo. Se isso já não bastasse para odiar este mês, eis que os eleitores suecos e italianos nos deram mais um.

Setembro de 2022 ficará registado como um período de referência para o movimento de extrema-direita europeu. A 27 de Setembro, os Irmãos de Itália liderados por Giorgia Meloni reclamaram a vitória nas eleições gerais italianas, abrindo a possibilidade de estabelecer o Governo italiano mais extremista desde a era fascista de Benito Mussolini. O fatídico dia 11 de Setembro, aparentemente mergulhado em infâmia perpetuamente, viu um partido neonazi, os Democratas Suecos, ascender à segunda maior representação política do Riksdagen, o que lhes permite assumir uma grande influência no novo Governo a ser formado. Ambos os países atravessam um período sem precedentes, mas este fenómeno está longe de estar confinado às suas fronteiras.

A chama da extrema-direita arde fulgurante em todo o velho continente. Em França, a infame nacionalista, Marine Le Pen, perdeu a corrida à presidência para Emmanuel Macron no início deste ano, mas ganhou mais de 41% dos votos no segundo turno. Recentemente, o Parlamento da União Europeia (UE) declarou a Hungria como já não sendo uma “democracia plena”, devido às políticas regressivas do primeiro-ministro Viktor Urban. O Presidente da Polónia, Andrzej Duda, ganhou a reeleição em 2020 com ênfase no sentimento anti-LGBTQ e “cá dentro” André Ventura e os seus asseclas destronaram o CDS-PP como terceira força no Parlamento.

Os porquês e os meios que nos levaram a este cenário não são assim tão difíceis de desvendar. A Europa encontra-se actualmente a enfrentar o seu maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial, com a invasão ilegal da Ucrânia pela Rússia e uma consequente inflação e crise energética como nenhuma outra. As constantes crises económicas e de imigração da última década também alimentaram um sentimento de descontentamento entre muitos europeus. Acrescente-se a isto histórias de “sucesso” de além-mar como a de Trump ou Bolsonaro e eis que uma fénix intolerante renasce.

As causas são evidentes e podem ser facilmente traçadas na linha inexorável da história. Mas voltando ao nosso título, que impacto terá isto na nossa existência, ou melhor, no planeta?

É demasiado cedo para dizer como os novos governos italiano ou sueco irão agir sobre as questões climáticas, mas se padrões de comportamento e a história são de alguma referência, o futuro não se afigura verde. O nacionalismo de extrema-direita tem historicamente mostrado resistência a políticas climáticas eficazes - tal como a questões políticas mais amplas como a democracia, os direitos humanos e a diversidade - ou, na maioria dos casos, a total negação da ciência das alterações climáticas. No seu manifesto de partido, a Alternativa para a Alemanha declara que “o dióxido de carbono não é uma substância nociva, mas parte e parcela da vida” e exige que a Alemanha se retire do Acordo de Paris. De facto, isto parece ser um denominador comum entre os partidos de extrema-direita europeus. Quer se trate do Partido da Liberdade da Áustria, do Partido pela Liberdade da Holanda, do Partido dos Finlandeses ou do Vox de Espanha, todos eles afirmam que o Acordo de Paris representa uma ameaça à economia e à soberania energética da Europa. Qual é a alternativa que mais propõem? A contínua prospecção e exploração de hidrocarbonetos e depósitos minerais — em suma, nenhuma alternativa ao business-as-usual.

Estamos todos a experienciar o que o trajecto actual nos proporciona. 2022 tem sido um ano catastrófico em termos climáticos. Durante o Verão, temperaturas excepcionalmente elevadas, secas extremas e incêndios assolaram a Europa e uma grande parte do resto do mundo. Intensas tempestades e inundações em Madagáscar, na Austrália, nos EUA, na China e no Bangladesh desalojaram muitos. No Paquistão, chuvas torrenciais e o degelo de glaciares resultaram numa das piores catástrofes ambientais e humanitárias dos últimos anos, com 1.569 mortos registados. Tudo isto se deve a contínuas desenfreadas emissões de carbono. Dados de Maio da National Oceanic and Atmospheric Administration dos EUA mostram que continuamos a bater recordes de emissões, com 420,99 partes de carbono por milhão actualmente na atmosfera — um aumento de 1,8 partes por milhão em relação ao ano passado.

A guerra na Ucrânia tem asfixiado quaisquer esforços climáticos por parte dos governos este ano, com a plena atenção da UE e de muitos líderes mundiais sobre o conflito. Conflito este provocado por um Estado nacionalista russo que nos últimos anos tem estendido uma mão vermelha de outrora, a actores de extrema-direita, contando com o apoio de muitas figuras proeminentes desse espectro político.

Os actores de extrema-direita são na sua generalidade imprevisíveis, reactivos e tendem a desafiar os desenvolvimentos e mudanças impostas por forças mais liberais e instituições estabelecidas. O actual Governo brasileiro é um perfeito exemplo disto mesmo. A pasta ambiental de Bolsonaro é virtualmente inexistente, com a Floresta da Amazónia a registar mais desflorestação no seu mandato do que em qualquer outro período. A administração Trump nos EUA também tomou a mesma atitude, recuando várias iniciativas da era Obama, com o país até a retirar-se do Acordo de Paris em 2020. Este poderá ser o cenário que nos espera na Europa.

Algumas vozes como Le Pen parecem, contudo, ter abraçado a realidade climática sobre nós, não com o interesse de proteger o planeta, mas sim de fortificar linhas de batalha ideológicas, e geralmente racistas, trazendo um foco para as consequências das catástrofes climáticas. Em vez de negação, um novo ramo crescente do populismo ambiental tem vindo a surgir, o chamado eco-fascismo. Trata-se de uma tentativa de contrapor o alarme público sobre a crise climática, com o desdém pelas elites governantes e o apelo à interdição de migrantes e o reforço de fronteiras, na medida em que as migrações em massa se têm tornado cada vez mais frequentes em resultado de condições de vida precárias, decorrentes de um clima em transformação.

À medida que continuamos a confrontar-nos com os impactos de um planeta mais quente, a extrema-direita já não será capaz de negar a crise climática. As estratégias que irão adoptar são ainda, em grande parte, especulativas, embora neste momento não pareçam romper com o actual desenvolvimento injusto e insustentável da empresa humana. No entanto, há uma certeza, a sociedade está actualmente a atravessar uma nova era política e o resultado irá definir o bem-estar do planeta, bem como o das gerações vindouras.

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