Morreu Kim Jung Gi, a lenda da animação sul-coreana que tinha uma memória prodigiosa

Artista tinha 47 anos e morreu com um ataque cardíaco. Estava no auge da carreira.

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Kim Jung Gi a desenhar no festival de Tróia Rui Gaudêncio

Kim Jung Gi, um dos mais importantes autores da animação sul-coreana, fora a Paris em trabalho e para ver jogar o PSG, equipa de futebol de que era fã, e preparava-se para apanhar um avião para Nova Iorque, onde o aguardavam mais compromissos profissionais, quando uma súbita dor no peito fez com que fosse levado de urgência para o hospital. Morreria pouco depois na sequência de um ataque cardíaco. Tinha 47 anos.

A notícia foi dada através de uma conta com o seu nome na rede social Instagram e está a ser citada por revistas e sites da especialidade, como a Animation Magazine. “É com grande tristeza e o coração pesado que vos informamos da morte repentina de Kim Jung Gi. Depois de concluir os seus últimos compromissos na Europa, Jung Gi dirigiu-se ao aeroporto para voar para Nova Iorque. Aí chegado sentiu dores no peito e foi levado para um hospital próximo para uma cirurgia, mas infelizmente faleceu”, pode ler-se na breve mensagem partilhada com os seus 1,6 milhões de seguidores no dia 3 de Outubro, segunda-feira.

Kim Jung Gi, que esteve no mês passado em Portugal para participar no festival de animação e efeitos especiais Trojan Horse was a Unicorn, em Tróia, é sobretudo reconhecido pelos seus trabalhos em grande escala, com cenas altamente complexas e desenhos elaborados, minuciosos, em que se serve de uma memória que muitos classificam como “fantástica” ou “prodigiosa”.

Também ilustrador de vários livros, colaborando com autores como o francês Bernard Werber (fez as ilustrações de Paradise e de Third Humanity) ou o também sul-coreano Seung-Jin Park, com quem criou a série Tiger the Long Tale (ou TLT), Kim Jung Gi escreveu também várias short stories e chegou a assinar a capa de um disco para o artista de hip-hop Drunken Tiger.

A avaliar pelos vários sites que mostram o seu trabalho e dão conta da sua participação em festivais ou na programação de galerias na Europa e nos Estados Unidos, o autor, que tem também seis sketchbooks publicados com mais de 4000 páginas de desenhos e colaborou ainda com o artista visual japonês Katsuya Terada, famoso pelas suas personagens de contornos futurísticos de jogos de vídeo e anime, estava no auge da carreira.

Nascido em 1975 na cidade de Goyang-Si, cedo começou a demonstrar interesse pelas artes, sobretudo pelo desenho. Depois de se formar, fez o serviço militar nas forças especiais do seu país e terá sido nessa altura que começou a treinar mais intensamente a sua memória, absorvendo os mais ínfimos detalhes de paisagens e de complexas peças de artilharia.

O seu talento para armazenar imagens foi-se tornando cada vez mais sofisticado ao longo dos anos e a sua memória transformou-se num instrumento de trabalho, explica a Animation Magazine, no texto em que dá conta da morte do autor sul-coreano. “Kim foi amplamente aclamado pelo seu talento especial para reproduzir cenas extremamente complicadas de forma quase perfeita de memória, sem a ajuda de quaisquer referências”, escreve Ramin Zahed nesta revista especializada, lembrando que a atenção ao detalhe deste artista gráfico chamou a atenção logo desde a sua primeira publicação, Funny Funny.

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Desenho de Kim Jung Gi para a editora Blizzard Kim Jung Gi

Do currículo de Kim Jung Gi fazem também parte capas para livros de banda desenhada americanos, como The Flash e Civil War II, e várias performances em que o artista que também trabalhou em publicidade e abriu uma escola de artes em Seul desenhava ao vivo.

A primeira destas sessões em que desenhou em público aconteceu em 2011 e foi partilhada no Youtube, tornando-se imediatamente viral. Tornou sessões como aquelas em que esteve a fazer desenho livre no átrio do Centro de Congressos de Tróia, há meras duas semanas, em eventos concorridos e que à superfície espelhavam a aura quase circense que rodeava a sua mestria. Mas os seus admiradores e aqueles que acompanhavam o seu traço nesses momentos procuravam sim algo mais profundo: ver como nascia o seu estilo inconfundível e como compunha cada peça.

Foi o ilustrador e pintor Hyun Jin Kim que o filmou há 11 anos e foi também ele que agora, perante a morte do autor, escreveu no Instagram: “Depois de teres feito tanto por nós, podes largar os teus pincéis. Obrigado Jung Gi.” com J.A.C.

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