Lula à frente em eleição que provou a resiliência de Bolsonaro

Lula lembrou que nunca ganhou uma eleição à primeira volta, mas o resultado alcançado pelo actual Presidente mostra que a vitória do candidato do PT é tudo menos certa. Campo bolsonarista consolida-se à direita.

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Um apoiante de Bolsonaro enrolado na bandeira do Brasil ADRIANO MACHADO/Reuters

Luiz Inácio Lula da Silva passou à segunda volta das eleições presidenciais no Brasil em primeiro lugar, mas o tom da noite eleitoral nas hostes do Partido dos Trabalhadores era de desilusão e até de raiva contra Simone Tebet e Ciro Gomes, os terceiro e quarto mais votados, por terem roubado os votos necessários ao ex-Presidente para vencer na primeira volta.

Um dos tópicos no Twitter na noite eleitoral brasileira era a expressão “que ódio”, pontuando desabafos enraivecidos contra os dois candidatos que não perceberam que esta não era uma eleição qualquer, mas estava em causa a democracia brasileira.

Como Lula fez questão de sublinhar no seu discurso da noite eleitoral, ele nunca ganhou uma eleição na primeira volta e esta é mais uma para disputar até ao fim. Mas nem o seu tom cansado nem o entusiasmo moderado nas hostes petistas disfarçavam a desilusão por o ex-Presidente não ter conseguido ganhar na primeira volta.

Até porque a jornada eleitoral esteve longe de ser entusiasmante para o PT e até permitiu ao actual Presidente, Jair Bolsonaro, transformar um mau resultado — é a primeira vez na história da eleição presidencial brasileira desde o fim da ditadura que um chefe de Estado em exercício não passa à segunda volta em primeiro lugar — numa vitória, sobretudo contra as sondagens que lhe davam uma percentagem de votos bastante inferior aos 43,2% que acabou por obter.

Os 48,43% obtidos por Lula acabaram por se transformar num frustrante quase..., muito por culpa do mau resultado em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. Não só Fernando Haddad (candidato presidencial derrotado em 2018) passou à segunda volta em segundo lugar, depois de aparecer sempre na liderança das sondagens, como Lula perdeu para Bolsonaro com grande diferença, 47,71% contra 40,89%.

O Presidente ganhou com uma diferença de 1,75 milhões de votos em São Paulo, mesmo com o ex-governador do estado Geraldo Alckmin como candidato a vice-presidente de Lula. Alckmin saiu do PSDB e filiou-se no PSB para ser o companheiro de “chapa” de Lula, o mesmo PSDB que demonstrou nestas eleições o seu ocaso político: depois de 28 anos, perde o governo de São Paulo pela primeira vez e nem sequer teve candidato presidencial, depois de João Doria, ex-governador do estado, ter desistido da corrida antes do começo da campanha.

O fracasso do governador Rodrigo Garcia — que ficou em terceiro, com 18,4% dos votos — e o bom desempenho do ex-ministro de Bolsonaro Tarcísio de Freitas (ficou em primeiro, com 42,32%) acabam por demonstrar a quase irrelevância política do PSDB e a migração do seu eleitorado para o campo bolsonarista, que se consolidou como a grande força da direita conservadora brasileira.

Não só o Partido Liberal (PL), a que o Presidente se filiou para esta eleição (depois de ter sido eleito em 2018 pelo Partido Social Liberal, PSL, que se fundiu entretanto com o Democratas para formar o União Brasil), vai ter as maiores bancadas na Câmara de Deputados e no Senado, como a maioria dos ex-ministros bolsonaristas conseguiram facilmente ser eleitos.

E se fosse preciso recorrer a mais exemplos de que Bolsonaro é um trunfo entre o eleitorado da direita no Brasil, basta ver o resultado nesta eleição de duas das figuras mais populares da ala bolsonarista em 2018 que, entretanto, romperam com ele: Janaina Paschoal e Joice Hasselman.

Janaina Paschoal, que tinha sido a deputada estadual mais votada do país há quatro anos, com mais de dois milhões de votos, conseguiu agora pouco mais de 430 mil votos na sua corrida ao Senado em São Paulo, muito longe dos 10,5 milhões de votos do astronauta Marcos Pontes, o ex-ministro da Ciência de Bolsonaro que foi eleito.

Pior esteve a jornalista Joice Hasselman, que não conseguiu reeleger-se para a Câmara de Deputados em São Paulo (apesar de o estado ter direito a 70 assentos na câmara). Depois de mais de um milhão de votos em 2018, conseguiu agora apenas 13.679 votos.

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