Moscovo apela a cessar-fogo, mas novas repúblicas não são negociáveis. Os sete pontos-chave do discurso de Putin

Já se esperava a oficialização da anexação de Donetsk, Lugansk, Zaporijjia e Kherson, que Putin prometeu defender “com todos os meios de que dispõe”. Mas não se ficou por aí — e o ponto principal do discurso foi mesmo escavar um fosso que separa a nova Rússia do Ocidente “neocolonialista”.

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“Os quatro novos sujeitos da Federação Russa expressam a vontade de milhões de pessoas”, disse Putin José Alves

A Rússia anexou formalmente, esta sexta-feira, quatro novas repúblicas, Donetsk, Lugansk, Zaporijjia e Kherson, anunciou Vladimir Putin, num discurso que começou às 15h em Moscovo (13h em Portugal) e durou mais do que meia hora. Já se esperava a oficialização da anexação, mas Putin não se ficou por aí — e o ponto principal foi mesmo escavar um fosso que separa a “nova Rússia” do Ocidente “neocolonialista”.

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A Rússia anexou formalmente, esta sexta-feira, quatro novas repúblicas, Donetsk, Lugansk, Zaporijjia e Kherson, anunciou Vladimir Putin, num discurso que começou às 15h em Moscovo (13h em Portugal) e durou mais do que meia hora.

Reuters,Joana Gonçalves

Quatro novas repúblicas

Não foi propriamente uma surpresa – foi, aliás, a única parte que se conseguia antever do discurso desta sexta-feira de Vladimir Putin. Foram oficialmente anexadas as repúblicas de Donetsk, Lugansk, Zaporijjia e Kherson. O processo ficou fechado depois do discurso de Putin, com a assinatura dos acordos de adesão à Federação Russa.

“O povo fez a sua escolha”, disse Putin, falando sobre os resultados dos pretensos referendos levados a cabo naquelas quatro regiões, que representam cerca de 15% do território ucraniano. “Os quatro novos sujeitos da Federação Russa expressam a vontade de milhões de pessoas”, alega. “Isto é o direito deles, ninguém lhes pode tirar, foi fixado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.”

“Quero que toda a gente se lembre que todos os que vivem nas quatro regiões passaram a ser nossos cidadãos para sempre”, reforçou. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já disse que não ia ceder na defesa desses territórios e acelerou o pedido de adesão à NATO.

Apelo ao cessar fogo

Quando a comunidade internacional esperava uma escalada de violência por parte de Moscovo, Putin escolheu apelar de forma directa a um “cessar-fogo imediato” e pediu “ao Governo de Kiev” que volte à mesa das negociações”. Um apelo com limitações, que delimita logo a seguir: as quatro regiões anexadas (e a Crimeia) não são negociáveis.

… e uma ameaça

“Vamos defender a nossa terra com todos os meios de que dispomos. Vamos fazer de tudo para garantir a segurança do nosso povo”, ameaça Putin, como já tinha feito num discurso anterior.

Agora que os territórios estão formalmente anexados, a Rússia passa a olhar para eles como uma parte integrante das suas fronteiras. Um ataque a estes territórios é um ataque a toda a Rússia — e Putin repete, uma e outra vez, que irá defender-se com “todos os meios” possíveis.

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Uma nova Rússia

Num par de passagens saudosistas, num discurso que serviu principalmente para atacar o Ocidente, Putin lamentou o fim da União Soviética – “destruíram a nossa grande pátria (…), mas já não importa, a União Soviética já não existe, o passado não importa” – para sublinhar o nascimento de uma nova Rússia.

“Por detrás da escolha de milhões de habitantes está uma ligação espiritual que foi transferida de avós para netos”, disse, sobre a anexação e o resultado dos pretensos referendos. Este é um “sentimento que ninguém poderá destruir” dentro das “pessoas separadas da sua pátria”.

Sobre o período que se seguiu à queda da URSS, lembra-se que o “Ocidente contava que a Rússia nunca se ia recuperar. Quase aconteceu. Os anos 90 foram de fome e frio”. “Chamavam-nos amigos e parceiros, mas éramos colónias”, disse Putin. “De forma cínica, chamam-nos aliados.”

Ataque aos EUA

A maior parte do discurso de Putin serviu para traçar uma fronteira entre o Ocidente (os outros) e a Rússia (nós). E o principal alvo, tal como nos tempos da Guerra Fria, foram os EUA. “As elites norte-americanas estão a aproveitar a tragédia destas pessoas para destruir a soberania nacional”, atira.

“A ditadura nos EUA é baseada no direito da força”, afirma. “Na mira encontram-se todos, incluindo vizinhos próximos, antigos membros da URSS”, disse, recordando, uma vez mais, os tempos da União Soviética.

Noutros pontos do discurso, alarga o espectro e atira contra os países anglo-saxónicos. É o que faz, por exemplo, quando se refere às fugas encontradas nos gasodutos Nord Stream. “Os anglo-saxónicos passaram às sabotagens”, alega, “destruindo a estrutura energética” da Europa. “Quem beneficia é quem fez.”

… e a todos os países ocidentais

Não são apenas os norte-americanos que estão na mira do discurso de Putin, que tratou de estabelecer uma linha que o separa da elite ocidental “neocolonial” – e chegou mesmo a recordar o mercado de escravos e as guerras do ópio como argumento para dizer que “o que eles faziam era exterminar etnias inteiras”. “Isso é contra a própria natureza humana”.

O Ocidente “não estava preparado” para a guerra, estava demasiado “autoconfiante”, alegou o líder russo, que deixou uma mensagem para as nações europeias: “Não é possível alimentar pessoas com notas de euros e dólares”. “Os políticos da Europa agora têm de convencer os seus cidadãos a comerem menos”, continuou. A “Rússia é acusada de tudo, mas é mentira.”

E fala em “russofobia”

Depois de alegar que os países ocidentais “estão a discriminar e a segregar os povos, a separar entre uma primeira e uma segunda classe”, Putin refere a “russofobia” que impera no Ocidente.

A Rússia é “histórica” e “milenar”, com um “povo, língua e cultura que não podem ser riscados da página da História”. Fala ainda da “ideologia de género” e pergunta: “É isto que queremos para as nossas crianças?” “A ditadura ocidental vai contra todas as sociedades”, afirma. “Temos de proteger-nos contra experiências monstruosas que visam danificar a mente e a alma.”

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