Poluição do ar fortemente associada à progressão de AVC

Altos níveis de poluição do ar estão associados a um maior risco de transição de um estado saudável para um primeiro acidente vascular cerebral (AVC), doenças vasculares e até para um risco de morte, revela estudo da Neurology que acompanhou quase 319 000 pessoas ao longo de 12 anos.

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As nuvens de poluição contêm partículas finas que resultam da produção de energia e de sectores como o dos transportes Rui Gaudêncio

Já sabíamos que existe uma forte associação entre a poluição do ar e o risco aumentado de acidente vascular cerebral (AVC). Agora, um novo estudo concentra-se na trajectória clínica de um AVC, ou seja, avalia o papel dos poluentes atmosféricos nos eventos cardiovasculares que ocorrem antes e depois de um AVC.

“Este estudo fornece a primeira prova de que a poluição do ar é um factor importante associado à progressão do AVC [...]. Uma melhor compreensão dos efeitos diversos dos poluentes em diferentes estágios da trajectória do AVC podem fornecer informações valiosas [para traçar] metas de gestão e prevenção clínica”, lê-se no estudo publicado esta quarta-feira na Neurology, a revista médica da Academia Americana de Neurologia.

A investigação envolveu 318.752 pessoas inscritas no biobanco do Reino Unido. Os participantes tinham idade média de 56 anos e não apresentavam histórico de AVC ou doença cardíaca no início da investigação.

Descobrimos que a poluição do ar estava associada a transições dinâmicas de um estado saudável para a ocorrência de um AVC, eventos cardiovasculares pós-AVC e até morte, mas com um efeito mais forte foi observado na trajectória entre um estado saudável e a ocorrência de AVC”, afirma ao PÚBLICO o cientista Hualiang Lin, professor da Escola de Saúde Pública da Universidade Sun Yat-sem, em Guangzhou, na China.

O que há de novo?

Ao longo de cerca de 12 anos, os cientistas analisaram a exposição dos participantes à poluição atmosférica com base no local onde viviam quando o estudo começou. Durante esse período, 5967 pessoas tiveram um AVC. Desse total, 2985 pessoas desenvolveram doenças cardiovasculares e 1020 pessoas acabaram por falecer.

Os resultados obtidos indicam que aqueles que habitam zonas com altos níveis de poluição do ar eram mais propensos a experienciar um primeiro AVC, doença cardiovascular pós-AVC ou mesmo a morte do que aqueles que estavam menos expostos a poluentes atmosféricos.

Embora numerosos estudos tenham demonstrado os efeitos da poluição do ar no risco de AVC, a maioria deles concentrou-se em apenas um estágio do AVC, como a morbidade, a recorrência ou a mortalidade. Nenhum estudo anterior explorou se a exposição à poluição do ar poderia afectar a incidência e a trajectória do AVC”, sublinha Lin, para explicar ao PÚBLICO em que medida o artigo da Neurology apresenta uma perspectiva nova sobre a relação entre partículas finas e doenças vasculares.

As conclusões consideraram a existência de outros factores como hábitos tabágicos e a prática regular de exercício físico. A exposição à poluição do ar foi avaliada apenas no início do estudo, e apenas com base no local onde os participantes moravam (e não onde trabalhavam, por exemplo) – o que constitui uma limitação do estudo realizado ao longo de 12 anos.

Medir o risco

“Estes resultados sugerem que a compreensão e a redução dos efeitos dos poluentes em diferentes estágios da trajectória do AVC serão benéficas no acompanhamento da saúde dos pacientes e na prevenção da ocorrência e progressão do AVC”, refere Hualiang Lin, primeiro autor do estudo da Neurology.

As nuvens de poluição contêm partículas finas que resultam não só da produção da energia, mas também de sectores como a indústria ou os transportes. Estes materiais suspensos no ar – como as chamadas PM2,5, que têm 2,5 micrómetros de diâmetro são minúsculos, dezenas de vezes mais finos que um fio de cabelo. E contêm substâncias tóxicas que afectam o sistema circulatório, respiratório, nervoso e imunitário.

Os autores descobriram que para cada cinco microgramas por metro cúbico de aumento de partículas finas, por exemplo, o risco de um indivíduo passar de um estado saudável para o primeiro AVC aumentava 24%. Já o risco de estar saudável para morrer crescia 30%. Os participantes que tiveram um AVC durante o estudo tiveram uma exposição média de 10,03 microgramas por metro cúbico de PM2,5, em comparação com 9,97 microgramas por metro cúbico para aqueles que não tiveram um acidente vascular cerebral.

Os cientistas concluíram ainda que os poluentes óxido de nitrogénio e dióxido de nitrogénio estavam associados a um risco aumentado de AVC e morte.

“A diminuição da exposição a altos níveis de poluição do ar possa desempenhar um papel importante na prevenção e progressão de AVC”, disse Lin. O autor frisa que os resultados não indicam uma relação causal entre poluição e AVC ou morte, mas sim uma associação.

“As pessoas podem reduzir a exposição [a agentes poluentes] permanecendo em ambientes fechados em dias de forte poluição, reduzindo exercícios ao ar livre [nessas ocasiões], usando máscaras e usando purificadores de ar para filtrar partículas”, recomenda o cientista.